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Yolanda demenciou Yolanda

YOLANDA DEMENCIOU YOLANDA


Por Sônia Azevedo Menezes Prata Silva Fuentes*

Quem vem me buscar?

Como é que eu vou embora, irmã?

Estas são as palavras mais repetidas por Yolanda nos últimos 12 meses. Yolanda demenciou Yolanda. Dimenticare em italiano significa esquecer. Yolanda esqueceu sua identidade? Não.

Se pensarmos que dentro de uma pessoa existem várias outras, Yolanda esqueceu algumas. Esqueceu aquelas que não mais a interessam, aquelas que não mais fazem sentido ou com que ela não mais sabe lidar. Não atribuindo as demências unicamente a quadros psicossociais, e sim a uma multiciplicidade de fatores, é fato que alguns quadros de Alzheimer são explicados à luz da Psicanálise como estados resultantes de uma fuga da realidade, tal qual um mecanismo de defesa. Um importante estudo demonstrou que, após o fatídico Golpe da Poupança da era Collor (1990), muitos idosos que perderam seu dinheiro, confiscado da poupança, perderam junto sonhos em construção, de uma vida sabida finita. Sem poder suportar tal estresse, aliviaram-se nas demências! Bela escapada. Desencanto? Desistência? Sublimação?

Será que sofrem com isto? Pode ser que sim. A angústia de não saber onde estão, e/ou o que são, não deve ser pouca coisa. Foge ao inimaginável de alguém cognitivamente “são”.

É muito difícil aceitar a demência em uma mulher que outrora fora empresária extremamente vaidosa, trabalhadora, comprometida e responsável. O que houve com a dinâmica desta vida? Um golpe monetário sacudiu sua sanidade? E aos poucos... os primeiros sintomas de um grande mal-estar se instalaram: mal-humor, pequenos esquecimentos, tonturas e confusão mental. Exames seguiram-se, visitas a médicos, neurologistas, geriatras, até o derradeiro diagnóstico final, que, quando chegou, já não mais era preciso. Yolanda chora, Yolanda ri, e, no meio de tantas lágrimas, se refaz quando é chamada para ajudar e/ou partilhar na Casa de Repouso onde vive. Yolanda dobra e empilha roupas lavadas, arruma camas, enxuga louça, ajeita vestimentas e calçados de outras idosas desarrumadas, e busca a ordem estética por onde passa. Nestas horas, entra em cena a Yolanda resolvida e brincalhona. Tem um coração bondoso. Valores mantidos, incrustados na alma de toda uma vida. E, assim, muitas vezes consegue colocar ordem no caos de um asilo, ora tumultuado e desorganizado. E não é só boa nisto, não. Yolanda nos surpreende com seu grande equilíbrio nos jogos com bolas, bambolês e argolas. Tem uma concentração fora de série e sorri muito de felicidade ao ganhar nas gincanas propostas. Quando a atividade é teatro ou música, Yolanda artista nos diverte!

Mas... Quem vem me buscar?


Às vezes esta pergunta soa como um pedido de busca daquela Yolanda de antes, daquela mulher guerreira e batalhadora.

Para quem nunca a viu antes, ainda é possível identificar nos fragmentos da velha nova Yolanda a mulher criativa, generosa, risonha, dançarina, cantora, cooperativa e amiga de todos. Dá até curiosidade de voltar no tempo da Yolanda moça, pois restam ainda migalhas de boas histórias antigas dela em seu discurso de hoje sobre outrora: da vida gostosa no interior, dos bailes da mocidade e das suas namorandices!!! Yolanda reluz de alegria ao recontar suas peraltices. E dá gosto escutar. Ela consegue com muita doçura atravessar sua demência e irradiar luz no mais cinzento de nossos dias.


*Relato sobre uma idosa, moradora de uma casa de repouso em São Paulo, na qual Sônia Fuentes desenvolve pesquisa de doutorado na área de Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP – 2013.



 
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