DIMENSÃO DO TEMPO
Por Betty Jona
Conhecer o Pantanal pode modificar totalmente a vida de uma pessoa.
O contato direto e muito próximo com uma das poucas coisas verdadeiras e sublimes que existem, a natureza, nos transmite a liberdade dos animais e da vegetação, muito mais livres do que nós, seres humanos, escravos de compromissos, relógios, dinheiro, sempre correndo atrás do que? Nem nós sabemos: bem estar? Tranquilidade? Status? Liberdade?
Não percebemos que nesta procura louca por um ideal, que não sabemos qual é, o relógio continua sua marcha implacável e cada vez mais nos amarramos a tudo o que nos escraviza.
No Pantanal não existe relógio. Existem a claridade e a escuridão, o sol e a lua.
Os araquãs e os periquitos anunciam o dia, ao primeiro surgir da claridade. Parecem gritar para o mundo selvagem que o novo dia começou, chega de preguiça, cada um com suas tarefas.
O joão-de-barro surge alegre de sua casinha, obra prima de arquitetura, e começa sua cuidadosa limpeza, peninha por peninha, lançando de vez em quando seu canto, quase para avisar que ouviu o sinal de despertar.
O mutum acorda sonolento, no alto galho e também inicia sua toalete. Olha para baixo para ver se já tem algo para comer, continua se limpando e finalmente levanta o corpo pesado para um desengonçado voo até o chão, onde começará a treinar seu canto estranho e exótico: um assobio seguido de um som gutural que parece uma tuba.
Os periquitos frenéticos fazem cada vez mais barulho. Afinal vivem em colônias onde cada um quer gritar mais do que o outro.
As elegantes e berrantes araras sulcam o céu, duas ou três de cada vez. Seus gritos são de alerta, de alegria, de revolta, ou simplesmente querem chamar a atenção?
O martim pescador parado, indiferente, observador, permanece em galhos à beira da água para ver melhor seu “café da manhã”. Num rápido mergulho pesca um peixe, às vezes maior do que ele.
Os gaviões altivos, desafiantes, independentes, solitários, dominam do alto das árvores, prontos para um rapidíssimo voo, para pegar sua vítima, um filhote descuidado. Infelizmente para os filhotes, nunca falham.
Os tuiuiús, com seu lindo colar de penas vermelhas, casas fiéis para toda a vida, sempre se revezam para procurar a comida para os filhotes, nunca abandonando o ninho.
Os jacarés, os temíveis jacarés, na realidade tímidos, medrosos e extremamente preguiçosos. Três passos e apoiam seu barrigão no chão. Chegando mais perto se entende a fama. Dentes afiadíssimos, pontudos, um olhar fixo e assustador.
Pulos na água, círculos que vão se abrindo até sumirem nas águas calmas. As piranhas marcam sua presença. Uns filhotes de jacarés sem rabinhos denotam que já foram atacados e crescerão sem a temível arma, um grande rabo serrotado.
Emas em bandos fogem ao mínimo barulho, a família inteira, primeiro devagar e depois cada vez mais depressa, até sumirem na mata.
É um crescendo de pássaros, animais e peixes. Estamos num outro mundo, um mundo que a maioria dos homens não respeita e tenta destruir e uma pequeníssima minoria tenta lutar para salvá-lo.
O sol está se pondo, a hora preferida das garças, cabeça seca, garcinhas, que chegam em bandos para se pousarem em algumas poucas árvores. Suas vozes aumentam cada vez mais, as poucas árvores escolhidas como dormitórios ficam brancas. Chega outro bando, procura lugar. As que já lá estavam se acomodam um pouco, para que outras possam pousar. E continuam conversando cada vez mais alto.
Noite. O reino das gordas capivaras, dos tímidos cervos, de tantos outros animais que preferem as trevas.
Uma grande calmaria desce sobre o Pantanal, somente alguns gritos de animais noturnos, ou algum sapo que chama outro.
O ar é puro, desce pelo nariz, entra nos pulmões oxigenados.
Amanhã será outro dia, com chuva ou com sol, mas sempre um dia. Descerá novamente a noite, mas sempre uma noite. Os animais só matam para sua sobrevivência, nunca por ódio, vingança ou sede de poder, um mundo onde não existem drogas e armas. Os animais usam abertamente seus utensílios de caça: unhas, bicos, dentes.
Fotos: Arquivo Pessoal
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