Meu rosto
refletido na janela,
crio um poema
mental.
Vejo linhas cansadas,
a cidade passa
zunindo rapidamente.
Saio do campo,
estou na cidade:
luzes amarelas, brancas,
vermelhas.
São fios cortantes
e indigestos.
Os olhos grudados
na rua escura,
o metrô passa.
Um pedaço do
inferno é ali.
Árvores da metrópole
são indivíduos
cosmopolitas.
Podadas,
cortadas,
ou não vão para cima
ou crescem só de um lado.
Dão flores
que quase caem
e o seu berço
é de cimento.
Seus vizinhos são paredes,
fios e cabos elétricos.
Numa faixinha de terra,
sobrevivem.
Plantas corajosas,
poluídas, teimam em sobreviver:
tortas, quebradas, mal-tratadas,
humilhadas.
Árvores e homens
não têm cor,
fazem a fotossíntese
da poeira.
Homens e árvores
se misturam
verde, cinza,
é tudo igual.
Nem sei como,
mas homens e árvores
se não vivem,
vegetam.
Este é o mundo
que Deus me deu.
O ar é espesso,
as coisas passam
mais rápido
do que os olhos.
As pessoas cinzas
caminham esquecidas
de si.
Não há cores;
o verde, só,
pendurado no mastro.
A ilusão de ser,
a noite longa,
o dia sem horas,
meu relógio quebrado.
Onde está o branco
da vela acesa?
Esta nuvem preta
que não se vai...
meu vocabulário pobre,
minhas cores retóricas.
Vasto, veloz, vociferante
mundo descolorido
de meus dias.
Mundo de Deus,
Deus e o mundo
na berlinda.
Deus num letreiro luminoso
e não, no céu azul.