Efeito Peter Pan
Eu nunca poderia imaginar o que aconteceria em nossa cidade com seu desenvolvimento desenfreado. Primeiro vimos desaparecer nossas áreas verdes particulares, na região central, depois grandes e compridas propriedades passavam de um lado para o outro no quarteirão. Mais tarde vieram os enormes edifícios comerciais, os famosos arranha-céus. E todos festejavam o progresso. Logo todos os espaços vazios do Centro foram tomados por edifícios, uns colados aos outros, formando um enorme emaranhado de corredores. Depois o Centro foi se expandindo. Ampliou-se o perímetro até a montanha mais alta da cidade, onde existia também a avenida mais bonita, mais paulista. Enormes mansões de antigas famílias de cafeicultores e industriais, vastos terrenos, palacetes e lindos jardins e quintais, cheios de árvores, de flores e de frutas, hortaliças, espelhos d’água, peixes... tudo veio abaixo, para ceder lugar ao centro financeiro de São Paulo: prédios altíssimos, envidraçados ou espelhados, para cobrir o horizonte. Centenas de quilômetros de asfalto, muitas casas derrubadas para a construção de prédios residenciais onde uma varanda, para colocar uma jardineira, é um luxo!
E dá-lhe verticalização!
As calçadas esganam as árvores, não deixam que elas respirem e aspirem oxigênio e água pelas raízes, fator que tira saúde e força, tornando-as vulneráveis, sem defesa contra doenças e cupins. E elas caem ou são derrubadas, para serem substituídas por árvores de pequeno porte, praticamente arbustos se comparadas com suas antecessoras. Podem reparar: as árvores que ainda permanecem nos jardins, com espaço de terra à sua volta, não sentem tanto, não ficam doentes ou com cupins, porque suas raízes são livres e fortes.
Vamos ficando com uma cidade sem verde, sem oxigênio, sem proteção contra os raios solares mais prejudiciais à nossa saúde; um sol que não chega a ultrapassar essa casca cinza quase sólida que paira sobre a cidade, mas é capaz de penetrar nossa pele, causando danos irreversíveis. Haja filtro solar! E não se esqueçam do chapéu, por favor, andem pela sombra.
Que coisa estranha, eu sinto o sol, procuro ficar à sombra, mas eu não consigo mais encontrar a minha própria sombra.
Agora eu compreendo por que o Peter Pan não queria trocar sua bela ilha pela cidade. Aqui ele não conseguiria reencontrar sua sombra. Eu não estou conseguindo reencontrar a minha.
É o efeito de todo o processo de crescimento dessa cidade.
Maria Helena Salles Penteado
nena.penteado@gmail.com
|