UM AVIÃO EM MINHA MESA
Aquela aula de Psicologia Organizacional seria à moda tradicional: explanação oral. O assunto: “Como diagnosticar uma empresa?” A turma era de alunos de psicologia do quinto ano da PUC, 1970.
Em geral minhas aulas eram mais abertas, com debates sobre problemas do comportamento humano nas empresas. Resolvi ser mais formal na apresentação daquele tema, por se tratar de assunto menos conhecido e por abordar matéria pouco discutida.
Por essa ocasião, eu começava a desenvolver teoria sobre enfermidades organizacionais e suas consequências, sobre a saúde do trabalhador. O tema “saúde mental” do trabalhador raramente era tratado e, quando era, ficava nas velhas fórmulas de classificação de possíveis desvios do comportamento, eximindo-se a empresa de qualquer culpa no cartório.
Não havia ainda encontrado nenhum autor que apontasse a organização como possível fonte de desvios comportamentais do trabalhador. Minha tese, em resumo, era: UMA EMPRESA ENFERMA CONTAMINA SEUS COLABORADORES.
Teria então de identificar as enfermidades e suas possíveis causas. Em minha hipótese, estabeleci duas determinantes: as forças que condicionavam o poder dentro da empresa e a forma de atuação do poder, na condução das pessoas.
Em relação às forças, eu as reduzia a três: força do dono, força dos pares e força do sistema. Baseava-me em estudo de psicólogo americano – ou seria canadense? - John Paré que falava em “boss-power”, “peer-power” e “system-power”.
Quanto aos tipos de atuação, reduzia-os a quatro: sedução, pressão, delimitação e inadimplência. A enfermidade se dava sempre que ocorresse a exacerbação de qualquer dessas modalidades.
Era minha intenção demonstrar que a maioria dos problemas de saúde mental, que afetava o trabalhador, tinha tudo a ver com o tipo de enfermidade presente na organização.
Minha aula seguia por esse caminho, teorizando um possível caminho de diagnóstico da empresa. Em dado momento, após escrever alguns dados no quadro negro sobre causas e consequências de cada enfermidade organizacional, voltei-me para a turma e dei de cara com um aviãozinho de papel aterrissando em minha mesa. Minha primeira reação foi de irritação.
Foi aí que a Telminha, sorriso maroto, se levanta e diz: “Desculpe, professor, não fique bravo, não! Olhe o que está escrito na asa do avião”.
A mensagem dizia:
“AO MESTRE, COM CARINHO”
Só então me desarmei. A turma daquele ano era especial e muito participativa nas aulas, ainda que a maioria não tivesse intenção de se dedicar à psicologia organizacional.
Só sei que tive com o grupo muita empatia. Participava em seus programas e até cheguei a ser o “papai Noel” na reunião de fim de ano, em um sítio em Guararema. Nessa mesma ocasião, lembro-me, quase quebrei o pé, jogando futebol com os maridos e namorados das meninas. Garanto, não foi nenhum atentado!
Lembro-me também de haver passado um feriadão junto com um grupo deles, em fazenda de uma das meninas, lá pelas bandas de Bauru. O Hidemi, que não era da turma, também estava por lá e acabou retornando comigo e com minha mulher, ao receber notícia do falecimento de seu pai. Hidemi, além de grande violeiro, foi um dos caras mais queridos que passaram pela PUC.
No exame oral de fim de ano – naquele tempo ainda existia exame oral – quando chegou a vez do Humberto, ele veio com a seguinte proposta: “Olha, Waldir, eu não sei nada da sua matéria, mas uma coisa lhe prometo, eu nunca vou pôr os pés em uma empresa me dizendo psicólogo”. Dei-lhe a nota mínima pra passar. Sabia que seu interesse era em outra área e era ótimo aluno. O pior é que ele cumpriu sua promessa. Naquele fim de ano, ele se foi e deixou muita saudade.
Figuraço, aquele Humberto!
Prof. Waldir Biscaro
awbiscaro@uol.com.br
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