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Grande Ator!!!

Éramos um grupo de coroinhas da Matriz da Vila Tibério, lá em Ribeirão Preto, garotos entre nove e onze anos. O Vigário desejava que pelo menos alguns de nós se animassem a ingressar na carreira eclesiástica e resolveu promover um passeio até Rio Claro, onde ficava o seminário dos claretianos. As despesas ficariam por conta da paróquia.

Iríamos de trem. Naquele tempo, estrada de rodagem era uma calamidade, uma poeira só; e ônibus, só a gasogênio. Quem, hoje, sabe o que é isso? Explico: em 1943, estávamos em plena guerra, gasolina não havia e em álcool, ninguém falava. O jeito era se virar com o tal gasogênio.

Dois tubulões eram colocados na traseira dos carros, neles se queimava madeira ou carvão e, com isso, se produzia gás – gás pobre – que alimentava os motores dos carros, em substituição à gasolina. A coisa era medonha de feia e o resultado era muito sofrível. Qualquer rampinha e o carro empacava.

Ribeirão Preto era servida pela Estrada de Ferro Mogiana. O trem nos levava até Guatapará e lá fazíamos baldeação para a linha da Paulista até Rio Claro. Ao todo, quase oito horas de trem. Para nós, que só conhecíamos a Mogiana, viajar pela Paulista foi uma glória.

Mogiana: bitola estreita; Paulista: bitola larga.

Mogiana: vagões de madeira; Paulista: vagões de aço.

Mogiana: locomotiva a vapor; Paulista: tração elétrica.

Para mim havia um atrativo a mais: nunca tinha visto montanha e foi, ao passar por São Carlos, que vi algo mais parecido com uma. Achei o máximo!

Era fim de ano e o seminário estava em férias, mas os seminaristas não iam pra casa. Em vez das aulas de latim, os alunos aproveitavam as férias praticando teatro, esportes e fazendo cursos diversos.

O que mais ocupava o tempo, no natal e ano novo, eram os ensaios de teatro.

Formavam-se diversas equipes e cada uma escolhia o tema que gostaria de representar.

Nossa turminha chegou bem no dia de uma das representações. Como visitantes, ocupávamos a primeira fila no salão. Tratava-se de um drama, havia assassinato, um réu inocente, um julgamento, o promotor e o advogado de defesa.

Houve um momento de grande dramaticidade. O “advogado”, ao fazer a defesa comovente do “réu”, volta-se para o público e, solene, interroga:

Quem de vós condenaria um inocente como este que aqui vedes? Diante de todas evidências por mim apresentadas, quem seria capaz de condenar esse pobre homem?

A platéia estava em suspense e o silêncio era total.

Foi então que, aos ouvidos dos silentes e comovidos espectadores chegou, vindo da primeira fileira de espectadores, um som longo e forte.

Era um pum, com tanto esmero contido e que, naquele momento de grande emoção, não conseguiu se refrear e rolou sala afora, sonoro e abaritonado no início e tenorino, mas desafinado ao final.Os atores pararam, a platéia veio abaixo, os risos explodiam sem qualquer controle. O “juiz” acionou várias vezes a campainha, ao tentar botar ordem na balbúrdia, mas tudo em vão. No fim, até ele mesmo cedeu e saiu de cena. Quanto tempo durou a interrupção, não sei. Após os risos, vieram as perguntas: quem foi, quem foi? Pergunta inútil.

O mais apontado era um dos nossos, o mais baixinho. É, baixinho sempre leva a culpa! Ele jurava por todos os santos que não fora ele. Minha hipótese recaia sobre um seminarista, de Ribeirão, meio gordinho, meio caipira, que estava com a gente na primeira fila. Nunca se soube.

Ao final deu-se continuidade ao drama e tudo terminou bem.

Era a primeira vez que um pum desempenhava papel de tamanho destaque em um teatro.

Pum, misterioso pum!!! Que grande ator o mundo perdeu!

Prof. Waldir Biscaro
awbiscaro@uol.com.br

 
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