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  A ÚLTIMA SERESTA        


A ÚLTIMA SERESTA

Em 1966, lecionava na PUC de Campinas e sempre chegava por lá às quintas, no começo da noite. Minhas aulas começavam na sexta de manhã.

Certa noite, ao chegar na Praça Carlos Gomes, notei uma movimentação diferente. Logo encontrei alguns alunos que me relataram o que havia ocorrido poucos minutos antes. A polícia tinha acabado de prender o Passarinho.

Passarinho, no caso, era estudante secundarista e ótimo violeiro. Era também sobrinho do então Ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, no tempo da ditadura. A razão de sua detenção era que estava a tocar violão em frente a uma residência, na esquina da praça. Pelo jeito, o dono da casa não apreciava boa música e o estudante boêmio era confundido com subversivo.

Um dos alunos me pediu: Professor, o senhor topa ir com a gente até a delegacia, pra tentar libertar o Passarinho?

Bem, lá fomos pra Delegacia.

Procuramos convencer o delegado de que não havia razão para a detenção do rapaz, ele era pacífico e boa gente e passava naquele momento por uma situação aflitiva. Acabara de perder o irmão em acidente no exército, um tanque de guerra caíra sobre o coitado. Nem chegamos a falar que se tratava do sobrinho do Ministro. Isso era muito apelativo, ainda mais naquele tempo.

Conversa que conversa e lá pelas tantas, o delegado, para se ver livre de nós, saiu-se com essa: Tudo bem, eu libero o Passarinho, mas o violão fica preso!

Esse episódio me fez pensar: Por que será que os estudantes não tinham mais o hábito de fazer serestas, ainda mais em uma cidade tão cheia de pensionatos para moças do interior?

No ano seguinte, final de janeiro, tempo de férias escolares, estava lá por conta dos próximos vestibulares. Era noite de sexta feira e conversava com alguns alunos, na frente da escola. Vi que um deles tocava violão e então perguntei se eles topariam em alguma sexta feira sair pelos pensionatos, depois das dez, e lá cantar para as meninas do interior que, com certeza, adorariam receber uma seresta. Eles toparam e foi assim que, em 1967, iniciamos o bom costume de fazer serenatas na frente dos pensionatos.

No início, éramos apenas três ou quatro, mas aos poucos a turma foi crescendo e veio gente da faculdade de medicina, da engenharia, alguns professores também aderiram. Daí pra frente, sempre tínhamos um bom violeiro, estudante de medicina, vindo de S. Carlos e até mesmo um ótimo clarinetista, vindo de Santos, estudante de psicologia e hoje um grande maestro. Eles nos acompanhavam.

As freirinhas que dirigiam os pensionatos, no início, foram contra, mas não demorou muito e, através das meninas, mandaram recado pedindo que a gente continuasse a cantar. Elas também mereciam.

Nosso repertório era bem variado, mas nossos preferidos eram Chico Buarque, Noel Rosa, Vandré e Paulinho da Viola. Mais adiante, apresentei à turma músicas do Paulo Vanzolini, ainda muito pouco conhecido deles.

Se o samba é oração, seresta é missa solene e exige muito respeito dos participantes e era assim que o grupo se comportava. Até mesmo ao fazer seresta para os defuntos, dentro do cemitério de Valinhos.

Chegamos a pensar em uma serenata na zona, mas o projeto foi abortado, pois não valia a pena atrapalhar o trabalho das laboriosas meninas em sua faina noturna.

[Os conflitos estudantis começaram mais cedo em Campinas, quando o Luis Carlos de Freitas teve sua matrícula negada, isso em 1967. Em 68, houve a primeira eleição de diretores das Faculdades de Filosofia e de Economia, uma conquista dos estudantes, mas, em 69 tudo voltou à estaca zero. Os diretores eleitos foram destituídos. Um grupo de professores tentou, sem êxito, reverter o processo, mas acabaram se desligando da Universidade.]

O clima de depressão contagiou todo mundo. Assim mesmo, uma noite, consegui reunir um grupinho e fomos cantar frente ao pensionato mais próximo, mas dessa vez estávamos sem o violão do Euvaldo e sem a clarineta do Beto, foi só no gogó.

Continuamos a caminhada e cantamos em mais dois ou três lugares. Fomos até o Bosque dos Alemães e lá cantei “Apelo”. Nenhuma janela se abriu, ninguém ouviu meu apelo, e nem viu como era triste a canção. Só senti o frio da noite e o perfume da saudade.

Triste serenata foi aquela e a última!

Prof. Waldir Biscaro


 
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