Resenhas
A DISTÂNCIA ENTRE NÓS
UMRIGAR, Thrity, A distância entre nós. Tradução de Paulo Andrade Lemos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006
É a historia de uma patroa de classe alta, Sera, e sua empregada de classe baixa, Bhima. Tudo se passa em Bombaim, na Índia contemporânea. A autora, Thrity Umrigar, faz um paralelo da vida destas duas mulheres que passaram por humilhações, maus-tratos e injustiças por serem mulheres. Sera passou por tudo isto de uma maneira muito mais humana e fácil, enquanto Bhima teve que enfrentar as dificuldades em condições completamente desumanas. Sera vive com sua filha e genro e, graças a seu dinheiro, teve uma certa autoridade para ajudar sua empregada, que durante 20 anos trabalhou para ela e, ao mesmo tempo, decidir sobre sua vida. Bhima, por causa da miséria em que vive, só pode se submeter. A esperança que ela tinha na neta, que ela esperava tivesse uma vida diferente, mediante seus estudos, ruiu quando esta apareceu grávida, sem dizer o nome do pai.
Entretanto, vinte anos fizeram com que elas se tornassem também amigas, confidentes e solidárias. Vinte anos durante os quais, e apesar de toda a intimidade com a patroa, Bhima nunca teve a permissão nem o direito de sentar no mesmo sofá ou à mesma altura que a patroa, nem compartilhar da mesma louça ou dos mesmos utensílios.
Quando apareceu um evento grave na família, Sera não teve a menor dúvida em jogar a culpa sobre sua fiel empregada. Demitida e finalmente libertada de seu compromisso e da sua submissão e obediência forçada à família, Bhima teve o grande momento da sua vida quando pôde responder a alguém que lhe perguntou: “Não tenho patroa”.
É interessante observar como, apesar de modernizados, muitos indianos continuam vivendo em condições subumanas e como, apesar do desaparecimento do conceito de castas, as diferenças sociais continuam imperando.
Viviane Bigio
vibigio@uol.com.br
EPISÓDIOS QUE A VIDA NÃO APAGA: itinerário de um pícaro poeta
SPINA, Segismundo. Episódios que a vida não apaga: itinerário de um pícaro poeta. São Paulo: Editora Humanitas,1999
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Há momentos em que a alma fala mais alto do que a própria história. É esse o caso dos episódios que a vida não apaga, como o próprio título do livro revela. São passagens que, para nós leitores, têm a revelação do caminho que se abre com a tenacidade e a luta do próprio autor que, com a força dos sonhos e da juventude, caminha, desviando-se do intempestivo e das tempestades, mas com o desejo de alcançar aquilo pelo qual lutava com toda energia, o necessário para a sobrevivência. Dali partia para novas conquistas, sempre entre amigos que o acompanharam e, dos quais ele jamais se esqueceu. A vida reservava para ele a certeza de que o estudo e a própria capacidade realizariam um desejo, ainda não conhecido por ele mesmo: ser catedrático na Universidade de São Paulo, no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. A intenção do escritor é não deixar apagar da memória a luta, o esforço, a dedicação aos estudos e o trabalho para conseguir realizar os sonhos. São considerações que passam pela mente do leitor ao conhecer o itinerário do escritor-poeta, mas que, nos dias de hoje, torna-se exemplo e guia para se acreditar no impossível e, principalmente, na realização do desejo de superar a sua condição tão modesta. A leitura conduz o leitor a ver, no jovem estudante, tão cheio de sonhos, mas com as asas partidas, o desejo de vencer, mas sem dinheiro e sem possibilidade, todavia com a força de vontade que muda o seu destino. Além da tenacidade do jovem poeta, destaca-se das suas memórias o momento de o leitor confirmar a força do seu caráter: a gratidão, espelho da alma, por aqueles que encontramos na vida, muitas vezes com solidariedade, amizade e gratidão por um caminho que trilhamos juntos, parte inesquecível da vida. Por essas e outras razões relembra a convivência e os ensinamentos de grandes mestres, como Fidelino de Figueiredo, e de insignes mestres do seu tempo, quer no curso secundário, quer no curso superior. Cada um deles lhe abriu as portas do magistério, passando-lhe experiências que só o tempo pode trazer.
Outro momento, que desperta o nosso sentimento, é a força do belo, ligado à poesia, tão distante nos dias de hoje e tão suave e meiga em outros tempos, ao transmitir emoção. É essa a poesia do poeta e mestre Spina que falam de amor, na ordem das palavras, no andamento da enunciação, nas qualidades do verso, como ele mesmo define.
Outros episódios marcaram sua experiência de professor e orientador e que muito lhe valeram na vida de mestre, com seus ideais, alguns dissabores, que ele relata, mas que, se deixaram marcas, já devem ter passado, porque hoje ele vive com as boas recordações. À medida que passamos as páginas de seu livro, trilhamos também o seu caminho e mais admiramos a sua coragem, por superar dificuldades no desejo constante de vencer para ser.
Na poesia, divaga entre a realidade e a fantasia poética: registra a emoção de um amor, testemunha de um insucesso. Em outro momento, exalta a natureza e põe, entre a realidade e a fantasia, o caminho do poeta: sofrer por amor. E assim, entre um fato e outro, o mestre nos dá conselhos que nos auxiliam a valorizar a clareza no estilo e, consequentemente, a arte de escrever. Faz considerações a respeito do estilo do escritor, numa erudição de grande conhecedor dos mais significativos estilistas da língua portuguesa. Deixa ver que o mais importante deve ser a compreensão do leitor na explicação dos fatos, no decorrer da narrativa, ainda que a sua linguagem seja simples, sem os recursos que deixem em primeiro plano o obscurantismo, o falar difícil, a ponto de lembrar que na Itália dois professores universitários acabaram criando nova montagem da frase, esquema que intitularam ”Prontuário de frases para todos os usos para preencher o vazio do nada”. De episódio a episódio, Spina deixa-nos lembranças que a vida não esquece, dedicadas ao estudo e ao trabalho, vida que fez dele professor emérito da Universidade de São Paulo.
Profª. Antônia de Almeida Cunha