Caixeiro Viajante
Sou do tempo em que “psicologia”, no linguajar popular, era apenas uma palavra que indicava a capacidade que uma pessoa tinha de lidar bem com os outros. “Esse cara tem muita psicologia” ou “use sua psicologia e fale com ele”. Até que era bem simpático esse entendimento da dita cuja.
Mais tarde, quando surgiram os primeiros cursos de formação de profissionais da psicologia, ainda persistiu aquela idéia folclórica. Para a maioria das pessoas, psicólogo era um ser dotado de um dom de adivinhação, era aquele cara que bastava olhar para uma pessoa e já sabia tudo sobre ela.
Como um dos primeiros formados em cursos de especialização e pretendendo viver da profissão, fui obrigado a me tornar verdadeiro “caixeiro viajante” da psicologia.
A primeira experiência aconteceu em Belo Horizonte, em 1961. Trabalhava no Banco da Lavoura de MG, na equipe do prof. Pierre Weil. O trabalho em banco era de apenas seis horas e isso nos permitia exercer outras atividades.
Dois colegas do banco – um mineiro e um carioca - me convidaram então a participar da criação de uma consultoria de psicologia destinada ao atendimento de empresas de BH e arredores. O nome era bem solene: IPAMIG – Instituto de Psicologia Aplicada de Minas Gerais. Parecia até uma estatal. Nessa época, as empresas pertencentes ao Estado de Minas recebiam aquele sufixo: CEMIG, TELEMIG....
Na divisão dos trabalhos, me coube o de divulgação e contatos com as empresas. Como paulista, provavelmente iria fazer mais sucesso. O problema é que éramos, os três, completamente jejunos em matéria de venda de serviços. Além do mais, iríamos vender um “produto” inteiramente desconhecido no mercado. Não havia planos de abordagem, nem qualquer material de divulgação. O negócio seria mesmo na base do gogó.
Fizemos uma lista das maiores empresas da grande BH, cidade que eu conhecia quase nadin. Os bancos não poderiam constar de nossa clientela, apenas indústrias e comércio.
A maior concentração de fábricas se localizava em Contagem e era para lá que eu me dirigia, de ônibus, claro. Asfalto por aquelas bandas era um luxo ainda distante. Então, toca a amassar barro e bater à porta de empresas das quais nem sabia o produto.
Quando conseguia ser atendido, perguntava onde ficava o Departamento de Recursos Humanos. O pobre do porteiro me olhava com espanto, sem saber o que responder. Que bicho era aquele tal departamento, de que mesmo?
Com alguma sorte, às vezes, aparecia alguém que adivinhava o que estava procurando e me encaminhava para a seção de contabilidade. Esse negócio de pessoal era tratado na subseção de custos. Afinal, empregado era só despesa.
Muitas vezes fazia perguntas diretas: Como vocês selecionam os empregados, aqui? Resposta: Olha, moço, aqui nós não seleciona, não. Quando se precisa, a gente avisa o povo aí, e o primeiro que aparece é que fica.
Conforme o tamanho da fábrica, arriscava a perguntar: Por acaso vocês oferecem treinamento aos supervisores? Resposta: Ih moço! A turma aqui é muito ruim de bola, tudo ranca-toco, nem adianta treinar!
Assim era a vida de caixeiro viajante da psicologia. Era tirar leite de pedra. Em BH, fiquei pouco tempo e de minha missão de abridor de espaço para a psicologia, pouca coisa restou. Consegui apenas um contrato com uma fábrica americana recém-instalada e nada mais.
Voltei para São Paulo como supervisor da área de orientação psicológica da filial do banco. Perdi contato com aqueles bons companheiros de Minas.
Dez anos se passaram e, quando trabalhava em outro banco, recebo, de Belo Horizonte, um convite para participar da comemoração do décimo aniversário de fundação do Instituto de Psicologia, do qual constava como fundador. Eu havia me esquecido, mas os mineiros não me esqueceram. O Instituto prosperara, uai!
Minha carreira de caixeiro viajante não parou aí; amassei ainda muito barro pelo ABC e nos arredores de Santo Amaro .
Prof. Waldir Biscaro
awbiscaro@uol.com.br
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