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        João


JOÃO


Sozinho em casa, em torno da uma da tarde. Ia me servir de um lanche, quando tocaram a campainha. Era um mendigo, negro, bonito, ainda jovem, quase um menino, esquálido, de muletas velhas e gastas, vendendo balas de côco. Disse que minha mulher era freguesa e sempre comprava dele.
Convidei-o pra entrar e lanchar comigo enquanto nos conhecíamos.
Aceitou o convite meio sem jeito, meio desconfiado. Sentou-se, servi-lhe um copo de refrigerante que ele não tomava. Insisti.
--- Desculpe, é que tenho os braços travados e não consigo esticar. O sr. faz o favor de pôr o copo mais perto da beirada da mesa ?
--- Qual é o seu nome?
--- João.
--- João de quê?
--- É só João. Tenho sobrenome, não - afirmou sem preocupação e sem interesse em saber o meu.
--- O meu é Chico.
--- Sabe? Tem um cara que explora a gente, traz numa Kombi e espalha a gente pelo bairro. Um dia é bala, outro é agulha, outro pregador e assim vai. Mas ele dá emprego pra gente todo dia, chova ou faça sol... Ele fica com 50% da venda. A gente acha muito, mas reclamar pra quem? Se a gente acha ruim, no dia seguinte a gente fica na calçada, porque ele nem para a Kombi...
--- Por que você segura o copo com as 2 mãos, João?
--- É que na mão direita os dedos não abrem e os da esquerda são esticados.
--- Êita, João. Como você pode ter essa cara tão alegre e satisfeita, com esses problemões?
--- O que fazer, vou chorar? Moro embaixo de uma escada em S. Miguel Paulista, de graça. Tenho saúde fregueses, e trabalho, o que eu quero mais?
--- Você tem família?
--- Tinha. Lá em Minas, mas eles me batiam muito. Um dia entrei num bagageiro de ônibus e vim parar na rodoviária. Me levaram para um tal de albergue, me alimentaram e queriam descobrir minha família. Fiquei quieto, e, quando pude, piquei a mula e não voltei mais. Já pensou se eles me mandassem de volta? Aí um amigo meu, que também foi do albergue, me
arrumou esse trabalho de Vendedor. O que atrapalha mesmo é que eu tenho uma perna mais curta que a outra e essa está sempre dobrada, não estica.
--- Ôrra, meu! A perna também?
--- Difícil é tomar ônibus. Às vezes fico horas no ponto e os motoristas fazendo de conta que não me vêem, porque não posso levantar o braço e porque preciso ser carregado para entrar. O seu Antonio da linha 412 é legal, sempre para pra mim. Outro dia dei um pacote de balas pra ele. Fiquei chateado, porque ele não queria aceitar.
--- Vida dura, heim, João?
--- Não é não! O chato é quando eu caio pra frente, não posso pôr as mãos pra me segurar, porque os braços não esticam, então caio de cara no chão, me machuco, e quem passa, pensa que estou bêbado e não me ajuda a levantar. Demoro pra levantar, porque a minha coluna é travada e não dobra. Nem consigo lavar os pés como se deve. E ainda ando com essas havaianas que empoeira tudo, mas só elas servem, porque tenho os 2 pés tortos. Agora os negócios não vão indo bem e tenho ainda que andar com o apoio solto da muleta e fico com medo de cair.
--- Vou colocar um parafuso aí e fixar de uma vez essa muleta.
---Será que o sr. não tem também uma arruela sobrando, pra pôr dentro da borracha? A borracha furou e a madeira está batendo direto no chão...
--- Você tá querendo se aproveitar, heim João!? Mas vou arrumar a arruela pra você sair daqui nos trinques, tá bom? Quer levar uma frutas, laranjas, maçãs?
--- Obrigado, mas carrego a mercadoria nessa sacolinha pendurada no pescoço e se eu puser tudo isso, eu caio pra frente...
--- Você quer aproveitar que estou sozinho e te ajudo a tomar um super banho, bem esfregadinho?
--- Quero não. Isso já é demais. E fico com vergonha...
--- Tá bom. Então vou comprar 10 pacotes de balas, tá legal?

--- Pro sr. eu não vendo não. O sr está é com pena de mim. O sr. não entende que eu trabalho?
Com o sorriso no rosto, vi, do portão, o João subindo a rua. Ainda conseguiu levantar a mão pra dar tchauzinho, aproveitando que agora as muletas estavam firmes... (Aproveitador, o João, isso sim ...).


Chico Cuencas


 
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