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Criou asas e voou

A primeira memória que tenho de minha mãe foi do seu olhar de apreensão, embaixo de uma mesa da cozinha lá de casa. Morávamos em Sorocaba, cidade do interior de São Paulo. Minha mãe tinha dado à luz a nossa irmãzinha Maria Tereza. Nessa época as parteiras faziam o parto em casa.

Nesse dia deu um vento forte e destelhou a nossa casa, que não tinha forro interno e assim era a maioria das casas daquela época. Eu vi a minha mãe escondendo os filhos debaixo dos braços, parecendo uma galinha com a sua ninhada de pintinhos. Ela tentava nos proteger da chuva forte. Depois desse momento, não me lembro nem como a gente saiu dali. Mas me lembro de quando vi meu pai com um caixão pequenino debaixo do braço, e minha mãe chorando e dizendo para nós que o nenê foi morar no céu.

Numa outra cena, nessa mesma casa situada na Rua Gonçalves Crespo, eu e minha irmã, a Claudete (dois anos mais nova que eu), estávamos no quintal e passou um vizinho com um saco nas costas e nos viu de chupeta na boca. Eu estava com 5 anos mais ou menos. Ele foi lá e nos disse que a nossa amiguinha (Iracema) filha da nossa vizinha, tinha morrido e estava indo para o céu, e perguntou se daríamos a chupeta para ela de presente. Nós, bobinhas, demos a ele, só que de noite já viu né... Minha santa mãe que não podia nem sair da cama por causa do resguardo e da dor da perda, teve que sair e comprar outra chupeta, porque senão era aquele chororô.

Outra lembrança que tenho, foi quando numa das voltas da escola, vimos de lá de cima da rua uma multidão, em frente à nossa casa. Ficamos sabendo que nossa casa teria desabado e a parede do lado caiu em cima de um trabalhador da prefeitura da cidade, o que determinou que atrás da nossa casa passava uma boca de lobo.

Nesse dia meu pai, que era empregado na antiga Estrada de Ferro Sorocabana, (atual FEPASA), tinha sofrido queimadura nas pernas, mas só contou para a minha mãe depois que voltou pra casa.

Mudamos temporariamente de casa. Minha mãe, nessa época, estava grávida de meu irmão, o Miguel, que recebeu esse nome em homenagem ao empresário que tinha vendido essa casa a eles. Esse homem foi de extrema bondade, auxiliando os meus pais como pôde.

Nessa nova casa, passados uns dias, todos nós (as crianças) caímos de cama, com uma gripe forte (estava uma epidemia de gripe). Ficou só a minha mãe em pé, cuidando da gente. Eu a observava andando de lá pra cá, com aquele barrigão, sempre apreensiva, morria de medo de perder mais um filho, porque já tinha perdido o primeiro, Luis Antonio, e a terceira filha, Enedina. Nessa altura já tinha perdido três filhos, nascidos vivos, fora os abortos. Porque na verdade minha mãe engravidava de dois em dois anos. Acho que nessa época não existiam as pílulas. Nós, os filhos, tínhamos uma ingenuidade angelical.

Bem depois disso tudo, em 1950, nascia o Paulo, meu irmão, que adquiriu uma bactéria intestinal e minha mãe passava dias e noites em claro, colocando vela na mão dele, esperando sua morte; ela o levava aos médicos, benzedeira, fazia chás e sucos de maçã. Nessa época me lembro dela emprestar sempre de uma vizinha, Dona Elza, esposa do Sr. Gentil, o liquidificador. Era a única pessoa nessa rua que tinha tal aparelho.

Dias depois,
veio morar perto de nossa casa uma pernambucana e ensinou à minha mãe um mingau de farinha de mandioca. Veja a Receita: 2 copos de água, colocar para ferver e desmanchar 2 colheres de farinha de mandioca com um pouco de água fria num copo, mexer bem e jogar aos poucos na água fervendo, e não colocar o açúcar. Minha mãe fez e deu para o Paulo tomar, quase sem fé. Somente o fez por que o desespero era tanto! Hoje, o Paulo está firme e forte ao nosso lado ainda.

Depois ela ganhou a Gloria, que morreu em seis meses e vi novamente o desespero nos olhos de minha mãe.

Logo em seguida dessa tragédia grega, quando perdi a minha avó materna, vi novamente a dor latente que lhe saia das entranhas e por todos os poros. Depois disso, ela teve mais filhos até 1966 e para seu alívio todos viveram.

No total somos onze filhos legítimos, todos vivos.

Ela só foi se alegrar, quando em meados de 1970, viemos morar (todos) em São Paulo. Ela achava que tinha encontrado aqui a felicidade.

Vieram, como se fala, com uma mão na frente e outra atrás. Venderam a casa em Sorocaba. Meu pai já era um aposentado e quase passamos necessidade. Mas, como dizem, Deus é pai e não padrasto, com uma coisa aqui e outra ali fomos vivendo. Os filhos foram crescendo e os mais velhos saindo para trabalhar. Aquele olhar de desespero, foi amenizando e ela viveu alguns anos com esperança de algo melhor.

Ela gostava muito de reunir a família em volta da mesa grande e fazer lautos banquetes, oferecer presentes para os outros. Esta foi uma das grandes heranças deixada, eu também gosto de ofertar algo para alguém, convidar as pessoas para almoçar lá em casa. Enfim, adoro “carregar no colo“. E sou extremamente apreensiva, vivo com muito medo da perda, não gosto desse pensamento.

Em 1941, adotaram um de nossos primos, o Donato, aos sete anos de idade; ele era sobrinho de meu pai. Os pais dele faleceram na roça em Minas Gerais. Seus dois irmãos eram surdos e mudos, ficaram morando lá na roça com outros parentes. Somente ele era perfeito. Meus pais casaram e o adotaram, deram a ele estudo suficiente e viram-no casar, ter filhos e depois mais um desespero. Ele foi morar lá no céu com os outros irmãos: faleceu em 1977.

Depois disso, quando minha irmã mais nova estava com 23 anos de idade, minha mãe começou a sofrer uma doença que lhe devorou por um bom tempo. Dia 25 de outubro de 1989, resolveu criar asas e voar, para ir morar no céu, junto com os outros filhos que ainda eram muito pequenos, quando se foram.

Minha mãe era a segunda filha, chamava-se Genoveva Gonçalves de Araújo, (dizia ter nome de rainha), nasceu em 09 de novembro de 1920 – Tatuí – interior de São Paulo.
Seus pais, Luis Gonçalves e Francisca Garcia Gonçalves.
Foram suas irmãs Maria Aparecida Gonçalves, Anaell Gonçalves e Jandira Gonçalves .
Foi casada com João Elias de Araújo. Todos falecidos.

Nota: Ainda me emociono ao falar dela.


Vera Lucia de Araújo Rodrigues
verinha_wolf@hotmail.com

 
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