Hoje eu acordei Hamlet
A gente se engana, pensando que as questões na vida são: vou pra Paris ou pra Jundiaí? Se eu me caso ou se compro uma bicicleta? Eis a questão – na verdade, tudo se resume em ser ou não ser, que será mais nobre para o espírito – ter todas as respostas ou aceitar o mistério?
Quando alguém procura a escola Alumni, quer aprender inglês. Quando contrata um personal trainer, quer condicionamento físico. Quando vai ao Jaime Arôucha, quer aprender dança de salão. E quando procura um curso de Filosofia, quer o quê? Descobrir por que quer ser uma criatura sarada, que fala inglês e dança muito bem? Ser ou não ser? Eis a questão. Quando você acorda Hamlet, começa a pensar se tudo isso – inglês, academia, dança de salão – não será superficial e fútil.
Aí você vai pro curso de filosofia e epíteto põe o dedo no teu nariz e diz: “és um pobre infeliz e essa carne que compõe teu corpo, algo doentio e miserável, por que das à carne tanta importância? Por isso se encontram entre os homens tantos monstros: lobos, leões, tigres e porcos. Tem cuidado, pois, e procura não aumentar o número de bestas!”
E quando você leva essa carne miserável para a academia você pensa: ser ou não ser? O que será mais nobre para o espírito – Trabalhar o bíceps e o tríceps ou chegar ao atma? - e você perder o ritmo e a força e ficar com câimbras.
Você volta ao curso de Filosofia com a carne miserável, miseravelmente dolorida, a mente nublada e incapaz de absorver os ensinamentos dos grandes mestres e se pergunta: mas o Nuno Cobra não disse que é pelo corpo que se chega ao espírito?
A professora desperta o seu metafísico torpor com o “mito da caverna”. Ah! Você sai da aula certa de que alcançou a iluminação. Viver na escuridão, nunca mais! Viver à mercê das sombras e ecos enganadores, nem pensar. Seu espírito avança intrépido em direção à luz do sol, e lá vai você liberto, poderoso, invencível – até o primeiro buraco, que você, cego pela luz intensa, não vê e, claro, cai lá dentro.
Ser ou não ser, eis a questão. Que será mais nobre para o espírito, caminhar pelos shopping centers do mundo, seguindo as sombras dançantes, arrastando seculares grilhões, embalado pelos tambores da mídia, ou... pois é . Ou o quê? Cair naquele buraco na entrada da caverna?
Mas, ó grande deus Tupã! O que procuramos no curso de Filosofia?
Já avisaram a gente:
Nós não somos religião, não somos sociedade secreta, não temos poderes extrasensoriais, não somos partido político, não somos time de futebol, não somos iluminados e não iluminamos ninguém.
A essas alturas, Hamlet já está rouco, cambaio, vesgo e sem fôlego, para mais um ser ou não ser. A língua pastosa já não pronuncia o “r” se ou não se. Se ou não se...? sei ou não sei.
Sei ou não sei? Eureka!! Não sei! É isso! Só sei que nada sei. Por isso, vou a um curso que não é: pra abrir espaço, pra deixar a luz entrar, pra deixar o vento passar entre as colunas do tempo e balançar as chamas e distorcer as sombras, aumentar as dúvidas e levantar questões.
Hoje, eu acordei Hamlet.
Legal.
Só espero não ir dormir Ofélia, levada pelas águas da loucura.
Porque a loucura, você sabe, transtorna a mente, obscurece o espírito, tolda a razão.
Ou... será que não?
Nilda Vitale Mendes