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Massagem, ainda que tardia

Já pensaram na hipótese de que poderíamos chegar com idade avançada à beira da morte com boa saúde e vir a morrer com muita tranquilidade? Ocorreu algo parecido com uma pessoa, na casa dos setenta e poucos anos, de quem eu cuidei não faz muito tempo. Mulher ativa e independente, foi acometida de repente por uma doença neuromuscular que dificultou sua fala e, posteriormente, sua capacidade de deglutir, sendo afetada, portanto, em sua capacidade de falar e de se alimentar normalmente. Esperava-se que a doença progredisse rapidamente tornando-a incapaz de movimentar braços e pernas, o que de fato ocorreu cerca de um ano após a identificação do diagnóstico. Ela não tinha perspectiva médica de cura e me procurou para que lhe fizesse massagens. Quando ela veio a mim, ela não sabia claramente o mal que a havia atingido nem tinha clareza do que eu poderia fazer por ela. Eu sabia que poderia ajudá-la, com massagens e exercícios, apenas a manter-se o mais independente possível até o fim de sua vida e sem dores no corpo.

A última vez que a vi foi numa quinta-feira, ainda andando com sua bengala e escrevendo com mão trêmula, sempre agradecida porque saía da massagem com um senso de conforto no corpo. Não dizia nada, porque não conseguia falar, mas não ia embora sem o meu beijo de despedida. Duas semanas antes parecia ter readquirido um vigor perdido ao ouvir o concerto em lá menor por piano e orquestra de Grieg, que eu havia ligado baixinho enquanto a massageava. Levantou a cabeça e o tronco (estava deitada na maca), bateu palmas com vigor e fez vocalizações de contentamento ao ouvir os primeiros acordes do piano. A enfermeira que a acompanhava explicou-me que ela gostava muito de piano. Duas semanas depois teria um surto que a imobilizaria na cama por pouco tempo. Dormiu por várias horas, acordou e ficou consciente até “dormir” de novo e exalar tranquilamente o último respiro.

Não que setenta e poucos anos seja uma idade boa para morrer! Mas, o problema (se é que há um) é ter uma morte a mais lúcida possível e a menos dolorosa possível, quando tiver que ocorrer. E acho que ela a teve também graças às massagens que recebia, que certamente tornaram sua doença, bastante grave, algo suportável. Um dia ela me confessou, com gestos, que tinha vontade de se matar. Quando a doença tirou-lhe o resto de fala que ainda lhe restava e o sabor da comida que não podia mais ingerir, ela sentiu uma rebelião engendrar-se em seu coração. Sinto que de alguma forma ela superou o medo da morte e a raiva pela situação de vida a que estava relegada e preparou-se para morrer. E a morte veio doce, tranquila, ainda que inesperada, apesar de prevista.


Giulio Vicini
Psicólogo e Mestre em Gerontologia
v.giulio@hotmail.com

 
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