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JAIME KUPERMAN E SEU ESTILO DE VIDA AOS 93 ANOS

Quando a Renata Bancovsky, nossa colega de equipe do Jornal Maturidades, avisou-nos que o Chaim [Jaime] Kuperman estava expondo sua coleção de selos históricos e originais denominada de "Filatelia de Israel", na Galeria de Arte "A Hebraica", em São Paulo, motivou-nos a entrevistá-lo mais uma vez. Assim que acabou a exposição, no dia 13 de fevereiro, conseguimos um tempinho na sua agenda.

Nosso primeiro contato com ele foi em 2004, com uma reportagem para a Edição nº 22 do então Jornal Computador, revelando um colega carismático, encantador na sua sabedoria em ser feliz, aos 89 anos de idade.

Jaime, aos 93 anos, é uma pessoa querida e atuante. Há 11 anos aluno assíduo da Universidade Aberta à Maturidade, ele sempre nos surpreende. Sua grande capacidade de organização e seu gosto por coleções, fez de sua casa um paraíso para os aficionados por história, filatelia, política, artes etc. Deve ser por isso que ele é dono de muito bom humor, tem excelente memória e é um ótimo contador de histórias, "causos" e piadas.



Jornal Maturidades - Qual a data do seu nascimento?
Jaime Kuperman -
Nasci em 21 de março de 1915, 93 anos, dos quais 11 na PUC. Minha cidade natal é Safed, na Palestina, com quase 2 mil anos de história, berço da "Cabala".

JM - Quais as suas atividades, antes de você entrar na PUC?
Jaime -
Eu dirigia uma editora, gráfica e papelaria, que se chamava Papelaria Formosa. Fabricava livros, guias fiscais e fichas para importação e exportação, suprindo a demanda das mesmas em todo o Brasil. O computador não existia. Quando me aposentei, meu filho falou-me do curso para terceira idade da PUC. Fui, informei-me, matriculei-me e comecei.

JM - Você gostou da PUC de cara?
Jaime -
Praticamente... Gostei! Fiquei meio assim, veja: uma classe com 53 alunos, 52 mulheres e eu o único homem... Pensei: "Acho que estou no lugar errado". Mas, a Profa. Dra. Alda Ribeiro disse: "Você está no lugar certo, pode se sentar que não há problema". O homem se aposenta e não vai estudar, toda a terceira idade parece que é assim. Agora, em 2008, na minha classe, somos 3 homens entre 30 e poucas alunas, e ao todo na UAM tem uns 12 homens...

JM - Você resistiu. Como foi a convivência com as mulheres?
Jaime -
Resisti. Fiz amizade com todo mundo e não há divergências. Discute-se, às vezes, algum assunto até chegar a uma conclusão. Eu gosto!

JM - Qual seu estado civil? E como é sua família?
Jaime -
Minha e sposa, Amélia, faleceu em 1998. Fomos casados 56 anos . Tenho dois filhos, isto é, um filho engenheiro, casado, com dois filhos e uma filha, e a minha filha casada, com duas filhas. Portanto cinco netos, todos muito bem formados. Ah, já tenho também um bisneto. Agora, meus filhos se tornaram meus pais e me dão até bronca. Nossa relação é muito boa, moro sozinho neste apartamento e tenho empregada, que eles pagam. A empregada vai embora, mas tem uma pessoa que dorme aqui. Os filhos não me deixam ficar sozinho. Estou muito bem.

JM - E o que é ser avô? Você se lembra do primeiro neto, quando nasceu? Como é essa emoção?
Jaime -
Lembro de todos. Eu os acompanho sempre, porque sou criança com as crianças e adulto com os adultos. Na praia, plantava bananeira e nadava com eles. Para mim não há problema, pois acompanho a evolução. Hoje, somos companheiros, convidam-me para o cinema, para almoçarmos juntos, e isso é muito importante para um avô, "sentir que o querem muito bem".

JM - Como é ter 93 anos, ver a virada do século, ver as coisas mudarem...?
Jaime -
Conheço o Brasil desde 1928. Quando cheguei aqui estava com 13 anos. Sempre acompanhei a política brasileira, era o Brasil do "Café com Leite", grande influência de São Paulo e Minas Gerais, sempre se intercalando, politicamente, no poder. Mais tarde, a influência do Sul, com Getúlio Vargas, evoluindo para a Revolução de 32, o MMDC, seguindo-se a ditadura de Vargas, a Coluna Prestes, Jânio e por aí em diante. Tenho todos os jornais da época: Estadão, Gazeta, Diário de São Paulo, Correio Paulistano, Folha de São Paulo, trazendo todas as mudanças importantes, políticas, históricas, sociais, artísticas, esportivas etc...

JM - E o que você faz nas horas de lazer?
Jaime -
Eu vejo internet, mas, não acesso o Jornal Maturidades, não gosto de ler o Jornal no computador, cansa a vista.Leio um livro um pouco e durmo. Gosto de cozinhar. O meu prato preferido é arroz com feijão. Eu trabalhei no Rio de Janeiro, numa agência de automóveis e para almoçar pedi para uma senhora portuguesa pra ela dar almoço pra gente e todo dia era feijão e arroz. Então, eu me habituei com feijão e arroz e até agora, diariamente, eu como feijão e arroz e eu gosto muito!
Também freqüento o Clube Hebraica todos os domingos, quando há apresentações de ópera, dança, orquestra e cinema.
Esporadicamente, em alguns dias da semana vou lá almoçar, encontro pessoas e bato papo. A Hebraica é o maior clube Judaico do mundo. É fantástico, nem nos Estados Unidos tem igual. Há atividades diariamente e é muito movimentado.

LAR DOCE LAR

JM - Qual é seu cantinho preferido no seu apartamento?
Jaime -
Estes dois quartos são os meus "santuários". Aqui eu fico escrevendo, no computador. Às vezes, me dá uma dor de cabeça danada, porque sem querer digito qualquer coisa e aí tudo desaparece... Converso com meus netos pela internet, pelo telefone, por tudo.

JM - Por que você os chama de "santuários"?
Jaime -
Porque é onde estão os livros que tenho, todos os jornais com todos os registros documentados, históricos e fotográficos da época. Artigos sobre poetas, literatos, mudanças políticas e sociais etc.. Recibos para Imposto de Renda [risos], todos os canhotos bancários, em seqüência, para meu controle. Claro que, muita coisa foi usada, porque ajudei muito a garotada a fazer seus trabalhos escolares. Ajudar e ser útil são as coisas principais de tudo isso. Na época, as bibliotecas eram poucas e, tendo o meu arquivo, eles não precisavam ir até lá... Não havia, ainda, internet e sites de busca como Google, Yahoo etc... Meus amigos, também vinham fazer suas consultas e pesquisas quando precisavam.
Hoje está tudo meio misturado. É muita coisa, afinal, são 50 anos: livros judaicos, brasileiros, revistas, calendários judaicos desde a década de 30... Mas, tudo está em bom estado de conservação.

JM - O que você destaca nessa sua coleção?
Jaime -
Deixe eu mostrar... 30 anos da Ditadura, 70 anos da "Semana de Arte Moderna", "Grande Sertão Veredas", 50 anos de João Guimarães Rosa, Índios Brasileiros, Copa de 1980, Copa 2006, Retrospectiva Século XX, 100 anos do Estadão, Olimpíadas, tudo sobre o "Quarto Centenário" da cidade de São Paulo... Agora, o mais interessante, uma relíquia, é: uma Homenagem ao Brasil em 1922, na Sociedade Sião de Buenos Aires, quando o Jornal "La Nacion" fez uma edição especial dedicada ao nosso país, por ocasião dos 100 anos da Proclamação da Independência (1822-1922).

COLEÇÃO DE SELOS E EXPOSIÇÃO

JM - E a sua coleção de selos, quando começou?
Jaime -
Quando garoto, tive professores que incentivavam os alunos a fazerem coleções de selos para motivá-los a estudar história, personalidades, geografia, biologia, ecologia etc... Procurávamos o assunto dos mesmos em dicionários, bibliotecas, mapas... Era muito instrutivo e incentivador para o estudo. Como há comerciantes de sapatos, há comerciantes de selo para turistas, a gente se inscreve e eles enviam quando há novos selos do país, isto é pago em dólares.
Por ocasião do décimo aniversário da criação do Estado de Israel - 1958- emitiram um selo comemorativo, inscrevi-me e, assim, começou a minha coleção. Foram 30 anos, até que acabaram os meus dólares e eu parei.

JM - Você sabe quantos selos tem?
Jaime -
Uns 800, 900 envelopes com selos comemorativos, não tenho certeza, todos acompanhados de explicações de seus significados e inspiração, em inglês e hebraico.

JM - Como chegou à exposição na Hebraica?
Jaime -
Gosto da minha coleção e sei o valor dela, mas não sabia como fazer para compartilhá-la. Resolvi fazer uma proposta para a Hebraica. Eles me chamaram para conversar e me propuseram uma apresentação em painéis, no saguão de entrada. Fiz um painel piloto, levei para a aprovação e foi muito gratificante quando exclamaram: "Mas é bárbaro! Fantástico!". Partimos para ver quantos cabiam no local disponível, seriam uns 17. Poderia fazer muitos mais, mas não havia espaço no clube.

JM - Como foi a montagem dos seus painéis?
Jaime -
Comprei madeira, fiz o modelo e levei ao marceneiro para cortar. Depois, minha neta me ajudou a colar os papéis de fundo e os suportes para os parafusos de sustentação, pois os painéis ficavam pendurados. No Clube Hebraica não se pode colocar pregos nas paredes. Usei muita cola e meus brônquios sentiram, acabei pegando uma pneumonia durante a montagem... seguida de radiografias, um montão de antibióticos e fisioterapia. Mas tudo valeu! Ah, além disso, cada um tinha uma lupa pra poder ler as letrinhas pequenas.

JM - E como foi a elaboração da sua coleção?
Jaime -
É muito trabalho. Tudo estava em hebraico e inglês. Então, embaixo de cada envelope, vinha uma tradução em português do significado, do momento histórico de cada selo, que eu mesmo fiz. O trabalho de transcrição eu fiz no computador, além disso, tive de explicar mais sobre a história de cada um para as pessoas, pois o interesse foi muito grande.

JM - E a receptividade? Como você a sentiu?
Jaime -
Durante todo o período da exposição, de 19 de janeiro a 12 de fevereiro, fui abraçado e beijado. Eles não sabiam como agradecer por aquela maravilhosa viagem histórica e geográfica no tempo. Foi magnífico, nunca recebi tanta homenagem. Tenho um caderno com depoimentos dos visitantes. Todos gostaram muito. Coisa fantástica. Eu não esperava tanto.

JM - Você tem algum outro projeto ou pretende levar essa exposição para outro lugar?
Jaime -
Meu projeto é poder expor em outros lugares, como escolas, por exemplo. Tenho convites para fazê-lo em Belo Horizonte e Porto Alegre. Pessoas que vieram de lá, viram, gostaram muito e querem que eu leve a exposição para essas capitais. Tudo depende de todos os acertos que devem ser feitos com transporte e hospedagem... Jaime - Uns 800, 900 envelopes com selos comemorativos, não tenho certeza, todos acompanhados de explicações de seus significados e inspiração, em inglês e hebraico.

Uma História contado por Jaime Kuperman
Da cidade onde eu nasci foi difundida a cabala para o mundo inteiro. Em 1500, mais ou menos, judeus refugiados da Espanha foram para a cidade alta da Galiléia e ali fizeram um dos maiores campos judaicos do século XVI. Na Galiléia, junto com o Líbano, tem o Monte Hermon, que o ano inteiro está cheio de neve. E toda aquela neve que vira água que desce e irriga toda a região da Galiléia. No Oriente Médio, as melhores frutas, os melhores legumes, as melhores verduras são daquela região. E lá não precisa de agrotóxicos, porque o frio da água mata todos os predadores. Lá o pessoal vive muitos anos, tem gente que vive mais de 100 anos. Então, um jornalista chegou lá e viu um homem de uns 40/50 anos, encostado na parede, chorando.
Ele perguntou:
"Por que você está chorando?"
"Papai me bateu!"
"Um homenzarrão desse e teu pai te bateu? Onde que está teu pai?"
"Tá lá na sinagoga estudando"
Entrou lá, encontrou o velho de barba branca e de óculos.
"Você bateu no teu filho?"
"Bati sim!"
"Mas por que você bateu?"
"Porque ele desrespeitou o avô dele."
"Nossa, você ainda tem pai?"
"Tenho!"; "Onde está teu pai?"
"Tá na outra sala."
Ele entra na outra sala.
"Me diga uma coisa, quantos anos você tem?"
"Quando eu nasci, não tinha tabelião (...)".

"Ah! E lá do outro lado da rua mora o meu circuncisador." 

 

Célia Gennari
celia-gennari@uol.com.br
Ignez Ribeiro
ignisignis@uol.com.br

São Paulo, 13 de fevereiro de 2008

 
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