Jamón de Jabugo
Próximo a Salamanca, na Espanha, fica a província de Huelva, onde está a cidade de Jabugo, berço do melhor “jamón” do mundo, e também famosa por sua criação de porcos ibéricos, origem de tal preciosidade.
“Ouro de Jabugo”, é assim chamado pelos espanhóis o “jamón”: presunto cru, feito de pernil traseiro do porco, salgado e curado de forma natural.
Conta a lenda que um porco caiu e se afogou em um arroio cujas águas tinham um elevado conteúdo de sal. O porco foi recolhido por pastores que o assaram. Descobriram que a carne salgada tinha um sabor muito agradável, principalmente a do pernil traseiro. A partir daí, foram salgando a carne até aperfeiçoar o sabor que a natureza lhes havia mostrado. Assim nasceu o “jamón”!
Acredita-se que quando os romanos entraram na Península Ibérica (século II a.C.) já sabiam que a população fazia deliciosos jamones. Fascinados, começaram a exportá-los em grandes quantidades para Roma.
Os italianos e espanhóis disputam até hoje quem faz o melhor presunto, mas nunca chegaram a um acordo, pois são produtos distintos pela raça do porco que fornece o pernil.
O presunto que conquistou os romanos é elaborado com o porco ibérico. Raça que possui pêlos negros, pernas longas e as famosas unhas escuras que lhe renderam o apelido de pata negra, parente do javali africano.
Durante o período de engorda os porcos ibéricos se alimentam de bolotas, frutos de duas árvores aparentadas, os azinheiros e os sobreiros (que fornecem a cortiça). Têm a aparência de um pinhão, porém maiores, com a casca dura e de cor amarronzada. Elas caem das árvores e os porcos se alimentam. Isto significa que os animais são criados soltos, e se adaptam ao entorno com a influência mínima do homem. Os frutos são muito calóricos, ricos em gordura não-saturada. Cada porco come cerca de doze quilos de bolotas por dia. Com os constantes movimentos do animal, a gordura penetra naturalmente pelos músculos e se espalha de maneira uniforme garantindo a maciez, a suculência e o sabor característico.
O processo de cura pode levar de 24 a 30 meses e o peso de cada peça varia de 6 a 8 quilos cada peça. Chega aos pontos de venda recoberto com o mofo de cor amarelada que é o que o valoriza.
Cortá-lo é um ritual: apóia-se o presunto num suporte especial de madeira ou ferro batizado de “jamonera”. Deve ser feito à mão com uma faca afiada, estreita, longa e flexível.
Seu valor calórico não é elevado e favorece a diminuição do colesterol, já que sua gordura é predominantemente oléica, característica do azeite de oliva.
A época em que se consome mais “jamón” na Espanha é no verão, pois é um alimento que se come frio. Sua cor rosa púrpura e o intenso aroma é o principal convite para degustação. Os espanhóis preferem consumi-lo acompanhado apenas de pão e vinho Jerez.
Sua presença na gastronomia espanhola é tão forte, que há uma rede de restaurante chamada Museo Del Jamón. Nasceu em Madrid, em 1978, fundada pelos irmãos Don Luis e Don Francisco Muñoz Heras, atualmente com 12 estabelecimentos, todos com grandes peças penduradas no teto.
Para esta especial iguaria, sempre existiram grandes devotos:
O escritor Miguel de Cervantes (1547-1616) era apreciador do alimento e deu seu testemunho sobre isso em sua obra-prima, Dom Quixote, capítulo 54. “Estenderam-se no chão e, fazendo toalha da relva, puseram-lhe em cima pão, sal, facas, nozes, fatias de queijo, ossos de presunto, que, se não se deixavam trincar, não se eximiam de ser chupados”.
Carlos V (1500 -1558), rei da Espanha e titular do Sacro Império Romano Germânico do século XVI, senhor de domínios a perder de vista, sonhou em mandar no mundo. Depois de muitas conquistas, abdicou e se enclausurou no mosteiro de São Justo, na Extremadura. Passou os últimos anos de sua vida submetido à penitência de orações e ao consumo de apenas uma porção de “jamón” três vezes ao dia.
Sueli Carrasco
sueli.carrasco@uol.com.br