Dar Milho aos Pombos?
Não é necessário apelar para grandes nomes para se demonstrar a viabilidade de desenvolvimento emocional e de aperfeiçoamento humano após os sessenta, setenta, oitenta ou noventa anos. Muitas vezes o impedimento para que ocorra o desdobramento do potencial dessas pessoas está entre os que as rodeiam. É que esses se guiam por manuais que estabelecem a suspensão da capacidade do idoso de seguir em frente. O pior de tudo é que o idoso, por acomodação ou por se sentir frágil para reagir, acaba cedendo a tais limitações, cumprindo um script que lhe é imposto de fora.
Por aí, percebe-se que não apenas o idoso precisa acreditar que tem um potencial ainda a ser desenvolvido. É necessário que pessoas ao seu entorno também acreditem e estimulem essa crença. Diria até que vai ser preciso uma verdadeira campanha de conscientização de toda a sociedade no sentido de mudar seus conceitos – ou preconceitos - a respeito do envelhecimento. Essa medida teria duplo efeito:
1 – melhorar as atitudes em relação aos idosos
2 – preparar as pessoas para um envelhecimento futuro mais saudável e produtivo.
É preciso, às vezes, dar um puxão de orelhas em certos publicitários que se acham muito engraçadinhos quando usam pessoas idosas para fazer troça. Um (mau) exemplo é a propaganda de um suco em que atuam Denise Fraga e Evandro Mesquita. A atriz conversa com a avó mostrada como surda e, quando o ator sugere trazer a avó pra morar com eles, ela, a atriz, se finge de surda e grita imitando a avó. Outra ainda pior é a propaganda de um carro Renault em que a filha mostra que há espaço no porta-malas para a bagagem da mãe, mas vem o pai e diz que aquele espaço não é pra bagagem e sim para a própria mãe. Será que o conselho que regulamenta as propagandas ainda não se deu conta da falta de ética nesse uso que se faz do idoso?
Há já um tempo, uma empresa pública de prestação de serviços fez uma campanha em que um casal de idosos era tratado pejorativamente. Como eu tinha conhecidos nessa empresa, me informei sobre o responsável por aquela veiculação, liguei diretamente para o encarregado do assunto e dei-lhe uma bronca. Não demorou nem dois dias e a campanha saiu do ar.
Além da falta de incentivos externos que promovam idéias favoráveis ao desenvolvimento do idoso, vamos encontrar forte resistência quando o próprio acha que o que havia para se realizar já está concluído. O idoso pode ter fixado a idéia de já ser uma pessoa plenamente realizada e quando examinamos em que se baseia essa convicção de plena realização, constata-se que tudo se resume em um elenco de bens adquiridos ou de estrutura familiar completada.
Claro, tudo isso tem seu valor. Porém é preciso entender que a vida não pode ser reduzida a valores externos à pessoa. Por mais que tais bens signifiquem fruto de esforços expendidos durante anos e anos de trabalho, mesmo assim é preciso reconhecer que a vida vai muito além de tais limites. E, mais importante, autorrealização seria entendida como um privilégio de classe, coisa que não teria nenhum cabimento.
Enquanto se é vivo, o homem não tem o direito de estacionar. Pode sim se alegrar, pode se orgulhar do que realizou e tudo isso deve servir de combustível para novos avanços em novas direções, nunca para se acomodar.
Sei que estou sendo um tanto quanto moralista... mas, se não for assim, qual a alternativa? Uma delas é deixar que eles – os idosos – vão para a praça dar milho aos pombos. Tudo bem.
Prof. Waldir Biscaro
awbiscaro@uol.com.br
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