| INVENÇÃO DO TRABALHO
 
 Por Waldir Bíscaro O  pobre do Adão, quando se viu fora do Éden, sentiu-se mais perdido do que  minhoca em asfalto quente. Tinha sido demitido por justa causa. Justa, segundo  o ponto de vista do Super Gerente. Na realidade, ele tinha sido vítima de  enorme mal-entendido que não vem ao caso explicar agora. Bem  que ele recorreu à Justiça do Trabalho, mas não havia ninguém para atendê-lo.  Foi ao Procon, que também não existia. Começou  a se comparar com outros animais. Percebeu então o seu despreparo diante dos  problemas que viria a enfrentar e a ausência de certos recursos de defesa e de  ataque. Cadê  as garras para esganar adversários? Cadê mandíbulas fortes para estraçalhar o  agressor? Cadê o couro, que revestia outros mamíferos, para proteger sua pele  nua? Seu coice era uma piada; sua corrida de bípede, totalmente desengonçada;  seria alcançado em minutos. Passou a mão na cabeça e, só aí, notou a ausência  de uma peça comum a muitos mamíferos. Sem chifres, como atacaria o inimigo? Teria  o coitado de se contentar com a forma mais ignóbil de sobrevivência:  esconder-se em algum buraco. Como as toupeiras, como os tatus, como os texugos  e outros que tais. O que faria com sua claustrofobia? Completamente  desacorçoado, ficou ainda pior ao constatar que um bando de papagaios ria sem  parar e apontava para ele. Entendeu. Os papagaios contavam piadas a seu  respeito e gritavam: Tire a folhinha,  tire a folhinha! Isso já era humilhação demais. Pensou  em se inscrever no rol dos animais em extinção; quem sabe alguém o protegeria.  Procurou o Greenpeace, mas Greenpeace não havia. E agora, Adão?  Ao  se sentir um cara tão diferente dos demais e tão desprotegido pela natureza e  sem recursos, tentou encontrar dentro de si algo que pudesse compensar sua  inferioridade, mas... cadê o seu Sigismundo? ****** Saiu  pelo mundo chutando pedras. De tanto andar, se cansou. Cansou-se e dormiu.  Dormiu e sonhou. Sonhou à moda bíblica, durante quarenta dias e quarenta noites (vai sonhar assim na casa do...). Pobrezinho!  Sonhou, mas sonhou em vão, pois não havia por perto nenhum analista para  interpretar o conteúdo de seus sonhos. Chegou a ponto de botar em dúvida a  própria existência e gritou: Duvido sim;  se duvido, penso e se penso, existo e se existo, estou frito... e mal pago (Essa  frase seria mais tarde plagiada por um tal Cartésio). Retomou  então sua caminhada sem rumo, mas um ramo de árvore bloqueou seu caminho. Num  ímpeto de criatividade e coragem, quebrou o galho. Ficou extasiado com o feito,  pois acabara de inventar o quebra-galho. E de quebra-galho em quebra-galho,  passou a se sentir mais confortável. Parecia ter um certo domínio sobre a  natureza e as coisas começavam a mudar.  Havia,  porém, um senão: teria de vencer sua aversão a qualquer ato que exigisse  esforço. Ele não era como a abelha ou o joão de barro ou o castor e outros que  já nasceram programados para atividades construtivas. Era um vagabundo nato.  Teve de se submeter a terapias comportamentais, à la Skinner. O tratamento  conseguiu, após intermináveis sessões, extinguir – em parte – sua tendência à  vagabundagem. Dizem  as más línguas que teria frequentado cursos com Lair Ribeiro, palestras do  Marins e do Gretsz. Trepou em árvores, andou sobre brasas. Tom Peters se tornou  seu guru predileto – poderia ser também o Tom Cavalcanti, daria na mesma. O  importante é que o danado sobreviveu a tudo isso. Devia ter estômago de  avestruz. Senso crítico não tinha muito, mas sua motivação tava que tava. Ninguém segurou mais o gajo. Pensou  em ser empreendedor. Começou com a construção de um barco para atravessar os  dilúvios da baixada do Glicério e, a conselho de Maluf, foi mais longe. Iniciou  a edificação de uma torre tão alta que alcançaria o céu. Nessa se deu mal. O  Ibama não aprovou o projeto. A Prefeitura embargou a obra. Bem feito; quem  mandou se aconselhar com aquele cara!!! Ele,  porém, não se abalou, pois era um executivo proativo. Durante a construção da  torre tinha inventado uma porrada de idiomas e obrigado cada equipe de  trabalhadores a escolher um deles, impedindo assim que trocassem segredos de  engenharia. Qualquer  outro não saberia o que fazer depois com aquela confusão de idiomas tão  estranhos. Ele sabia. Montou uma rede de escolas de línguas. Línguas vivas e  outras nem tanto. Vivo mesmo era só ele. Explorar ignorância sempre foi bom  negócio.  Tamanho exemplo de empreendedorismo seria, com  certeza, perpetuado nos anais da época. Não sei bem se na Odisseia ou na  Bíblia. Seja como for, as façanhas do cara foram registradas com o belo título:  “Os Doze Trabalhos de Hércules”, ou  seriam treze? (Texto inspirado em grandes cientistas: Mel Brooks, Estanislau  Ponte Preta e Millôr).                                             
 
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