Os nativos sustentáveis 
                                                                          Parece que se descobriu  ontem que precisamos reciclar, não desperdiçar, economizar e sermos  sustentáveis. 
                                                                           
                                                                          Mas não temos feito isso  sempre, desde o princípio? 
                                                                           
                                                                          Somos sustentáveis desde que  nascemos: tínhamos horta e galinheiro em casa, enterrávamos e enterramos o lixo  orgânico, plantávamos tudo o que podíamos, reutilizávamos e reciclávamos, havia  só uma ‘roupa de missa’, tínhamos que fechar as torneiras e apagar a luz, íamos  para a escola a pé, andávamos de bonde e depois de ônibus, conhecíamos todo o  bairro de cima de nossas bicicletas. 
                                                                           
                                                                          Depois, o Brasil foi progredindo,  novas coisas surgiram e começamos a consumir mais, especialmente quando nossos  filhos apareceram. Era tudo uma felicidade só! Era muito melhor comprar um  frango limpo no supermercado do que depená-lo em  casa.  
                                                                           
                                                                          Pela televisão víamos como  se vivia na Europa e na América do Norte, e queríamos viver da mesma maneira. O  que fosse bom para eles porque não seria para nós? Toda a felicidade para a  nossa família não era importante? 
                                                                           
                                                                          Lutamos pela democracia no  Brasil. Sofremos muito na década de 60, participamos das Diretas Já, sofremos  com a morte do Tancredo e com a inflação, sempre querendo o melhor do mundo  para nossos filhos, e para nós também. Tornamo-nos consumistas. Mas, quando tínhamos  de explicar para nossos filhos porque tantas crianças morriam de fome em  Biafra, começamos a nos preocupar com a desigualdade do mundo e a pensar que  alguma coisa deveria ser feita. 
                                                                           
                                                                          Estávamos  muito ocupados em fazer o Brasil prosperar para prestar atenção no que  acontecia ao redor. Nos anos 70 começamos a ouvir falar dos limites para o  desenvolvimento, mas sendo nossa terra tão farta, não percebemos imediatamente  que aqui também temos limites para crescer. E que aqui também os ricos estavam  ficando mais ricos e os pobres, mais miseráveis. 
                                                                          Aprendemos junto com nossos  filhos os limites do progresso e com os jornais e a televisão, começamos a ver  tudo o que acontecia no mundo. Vietnam, enchentes em Bangladesh, guerras na Bósnia,  o petróleo acabando. Quanto mais informação, mais conhecemos as desigualdades  do mundo, os horrores das guerras e a necessidade de paz. Depois veio o  terrorismo, as torres gêmeas, o Iraque, o Afeganistão, a catástrofe econômica  de 2.008 até agora.  
                                                                           
                                                                          Como os nossos pais tinham  feito conosco, demos aos nossos filhos a melhor educação que pudemos. Eles são  mais educados que nós, mas sofreram para começar a trabalhar, porque  gradualmente tem sido mais difícil para os jovens conseguir um bom emprego. As  máquinas automatizadas substituíram muita gente. Nossos filhos trabalham agora  horas a fio, para dar a educação aos nossos netos, os nativos digitais. E os  nativos digitais sabem tanto quanto nós da realidade da Terra. Sabem dos limites  do planeta, das desigualdades, das manipulações que são feitas por dinheiro e,  como nós, têm medo da escassez e da falta de perspectiva. 
                                                                           
                                                                          Nós já aprendemos que sustentabilidade  é uma utopia. É só olhar no espelho e contemplar as perdas que podemos  minimizar, mas não vencer: não existe moto contínuo e a entropia sempre ganha.  A sustentabilidade é relativa. Viver com pouco e não desperdiçar. Ser solidário  com os outros. Analisar as consequências de tudo o que fazemos e discutir  nossas limitações e esperanças. Lutar pela igualdade  entre os homens. 
                                                                           
                                                                          O mundo não é equitativo, nem  solidário. Não adianta só saber e se indignar com o que está errado. Temos que  usar a nossa indignação e construir. Agir e ter ideias. Conversar com nossos  filhos, com nossos netos, perguntar a opinião deles. Colocar as nossas  posições. Discutir. Estamos conectados com todos e podemos influenciar uns aos  outros. O homem é só uma parte do todo. Tudo que existe tem que ser respeitado,  porque é interdependente. Distâncias e tempo desapareceram. Posso neste momento  ver e falar com meu neto em Ohio, ou com minha filha em Natal ou com meus  amigos em Paris ou Tóquio. 
                                                                           
                                                                          Em todo o mundo se fazem  movimentos por uma maior equitatividade: a primavera árabe, os movimentos de  ocupação na América do Norte e na Europa. Só 1% das pessoas do mundo vivem  realmente bem. O que nós podemos fazer agora para ajudar os 99% da humanidade a  ter uma vida melhor, sem acabar com os recursos do planeta? Organizar para  atuar juntos. 
                                                                           
                                                                          Ajudamos o mundo a se tornar  o que ele é hoje e já corrigimos muitas falhas no percurso. Temos a obrigação  de continuar e corrigir. 
                                                                      Enquanto uma pessoa estiver  sofrendo, não podemos sossegar. E temos que ter esperança e energia para ajudar  a construção de um mundo equitativo até o fim de nossas forças. 
  
                                                                          Beatriz Vera Pozzi Redko
                                                                               
                                                                          bvredko@attglobal.net 
                                                                       
  
                                                                   	   |