O RETRATO
Vasculhei caixas e guardados para encontrá-lo. Achei-o! Lá estava ele: o retrato. Foi o filme Em algum lugar do passado que fez lembrar-me dele.
Minha mãe linda, cheia de vida, nos seus 18 anos, com mil expectativas pela frente. Rememorei tudo que vivemos juntas, seu amor, seu carinho e tudo o que me contou sobre sua infância e adolescência. Foram muitos momentos felizes, cheios de conquistas e outros, com suas perdas, cheios de dores.
Gosto de rever fotos. Hoje as examino mais atentamente, detenho-me primeiramente, nos olhos: eles nos dizem muito, e, em seguida, cubro-os com as mãos e fixo meu olhar na boca. Ah! Como elas falam, contam-nos, às vezes, coisas diferentes do que os olhos dizem, segredos guardados, enigmáticos...
Esse é um mistério que nos foi roubado, não pela tecnologia em si, mas pela facilidade como os momentos, virtualmente registrados, são descartados. Num piscar de olhos o que era, já não é mais... A rapidez da comunicação é uma maravilhosa conquista, mas a versatilidade fugidia da modernidade tropeça nos momentos e facilmente os descarta. Muitas vezes, sobra a frustração. Tantas fotos e nenhuma palpável...
Desvio o olhar do retrato da jovem cheia de vida, de futuro e esperanças e o fixo em outro. É de uma senhora com uma fisionomia plácida, tranquila, o olhar como que buscasse algo à distância, o sorriso leve traduz um momento de receptividade agradável, de um interlúdio mágico. Um momento qualquer na década de noventa, do século passado, em casa de uma amiga muito querida! Reconheço-me! Mas, esta senhora sou eu?
Vejo- me, diariamente, ao acordar, refletida no meu espelho, olho-me nos olhos e costumo dar-me “bom dia”, preocupo-me com meu bem-estar, cuido de mim, mas não sou mais aquela do retrato – plácida, com um olhar que perscrutasse algo – e nem poderia ser... A vida é uma constante jornada...
Tenho uma consciência anímica de estar e ser mais presente. As vivências e as experiências se sucederam, inexoravelmente, no decorrer dos anos, e os momentos não são mais os mesmos, a realidade é movimento, luta, erros e acertos que se sucedem, numa busca incessante.
Havia prometido enviar o retrato, aquele da “senhorinha plácida”, aquiescente, à minha amiga, com quem passei tardes muito agradáveis, mas, sei que agora o mesmo não representa mais a minha realidade. Não é que não ache a foto, bonita, representativa de um momento, é que busco algo mais real, mais presente, mesmo que traga as marcas de vivências, nem sempre fáceis, mas, certamente, mais verdadeiras. A constatação do tempo que passa, que deixa suas marcas, deixou de incomodar o meu “ego”, hoje não faz o menor sentido, há outros valores a serem buscados. Espero que ela não se aborreça com a troca.
O que realmente importa é a amizade sincera, a conversa agradável ao cair da tarde, o aperto de mão que passa segurança e o olhar presente de quem se importa com a gente!
Por Ignez Ribeiro
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