Será que Freud explica tudo? 
                                                                         
                                                                       
                                                                          Por Fernanda Pinheiro Mazzante* 
 
                                                                           
                                                                          “Cada pessoa é um abismo. Dá vertigem  olhar dentro delas.” 
                                                                          Freud 
                                                                           
                                                                           
                                                                      O Pai da  Psicanálise, como é conhecido Freud, não leva essa alcunha à toa. Foi ele quem  inaugurou, junto à medicina Psiquiátrica, modelos renovados de atendimento e  principalmente tem sido considerado o precursor dos estudos aprofundados sobre  o funcionamento da mente humana. O misterioso campo da Psiquê, como ele mesmo  nomeou a mente humana, foi gradualmente sendo desvendado por Freud. 
   
  Interessantemente,  o Pai da Psicanálise remonta seus estudos às experiências daquilo que ele vai  chamar de primeira infância, período que corresponde aos sete primeiros anos de  vida: é nessa fase que a psicanálise Freudiana identifica a formação da personalidade,  permanente e inalterável, concretizada a partir das experiências doces da  infância, mas sobretudo constituída a partir dos traumas vivenciados pelo  sujeito. 
   
  Acredite, a  sua subjetividade é, sem sombra de dúvida, o resultado das suas vivências na  primeira infância, mesmo que ela tenha sido experimentada por você há décadas e  décadas atrás... A impressão das suas relações com seus pais, irmãos, amigos,  professores tornou você o sujeito que você é hoje! 
   
  Para Freud,  o papel do pai na primeira infância é mais que decisivo para a consolidação da  personalidade dos sujeitos, e esta relação, nem sempre de afeto, mas por vezes  de hostilidade, vai definir as escolhas futuras do indivíduo na vida adulta:  sua profissão, seu parceiro sexual, sua filosofia de vida. Associado à figura  do pai, Freud destaca o papel da sexualidade nos primeiros sete anos de vida:  as experiências de conotação propriamente sexual atingem seu auge durante a  primeira infância entre os 4 e 5 anos de idade, fase conhecida na Psicanálise  como Édipo, ou Complexo de Édipo. É neste período que a criança define sua  orientação sexual e, entre outras coisas, sua maneira futura de relacionar-se  com o mundo. 
   
  Na  vastíssima obra de Freud, podemos identificar temáticas das mais variadas,  desde a religiosidade primitiva, interpretação de sonhos, pulsões e instintos,  formação da personalidade, desvios sexuais entre outros. Traduzido em mais de  30 idiomas, o autor, considerado um dos mais lidos no mundo, fala-nos das angústias  humanas, das dores secretas e, principalmente, desperta no leitor profunda  identificação com aquilo que lê, já que sem conhecê-lo, fala dele mesmo. 
   
  Em vários  pontos de seus escritos Freud vai buscar justificação dos comportamentos  humanos na Mitologia grega, definindo muitos conceitos a partir de personagens  mitológicas, não apenas Édipo, mas Eros, Narciso, Medusa, Psiquê e outros. É  nesse sentido que podemos considerá-lo um autor completo, atento aos diferentes  determinantes da subjetividade, inclusive propondo-se a analisar o processo de  individuação como resultado da história pessoal atrelada à experiência  antropológica da Humanidade. 
   
  Permeia  todos os textos o incômodo sinalizado por Freud a respeito da incompatibilidade  entre os desejos íntimos do indivíduo e sua vida civilizada e aponta: “a civilização  começa com a repressão”; para ele, é impossível ao sujeito alcançar satisfação  dos seus desejos uma vez socializado e integrado à civilização. É por meio  deste pensamento que Freud defende a ideia de que a subjetividade se forma a  partir de renúncias, muitas delas tão dolorosas que se constituirão em traumas  insuperáveis. É por essa razão que o celebre Pai da Psicanálise busca em seus  textos uma saída, mesmo que parcial, para os sofrimentos individuais. Conclui,  ao fim de sua obra que, em última análise, precisamos amar para não adoecer  frente aos reveses do mundo. 
   
  Não,  definitivamente Freud não explica tudo. Acreditar nesta máxima seria  contradizer sua própria obra. Porém, ao desvelar os mecanismos dinâmicos que  constituem a nossa intimidade mais restrita, ele consagra sua obra como uma das  mais respeitadas, justamente por assumir o limite que existe entre a verdade de  si mesmo e aquilo que se pode conhecer de seu próprio eu, o labirinto de quem  você é. 
                                                                       Convido todos a se inteirarem da obra freudiana,  que magicamente retira o leitor do estágio de letargia e o desperta para  realidade de si mesmo. Parafraseando Freud, “a Psicanálise é, em essência, a  cura pelo amor”. 
                                                                      
                                                                       *Fernanda Pinheiro Mazzante é professora doutora em Psicologia Social  
 
                                                                        
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