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O Violino*

Por Ignez Ribeiro**

Meu pai Alberto, o Béco, foi uma dádiva! Entre outros valores, era um excelente violinista. Contou-me, certa vez que, moleque ainda, de pés descalços, apressava-se para ajudar a mãe a entregar as roupas que lavava, para em seguida ir à escola e, ao voltar para casa, estudar seu violino. Seus avós tinham vindo do norte da Europa, por volta de 1890, fugidos de uma daquelas guerras típicas do sec. XIX. Seus dois filhos mais velhos, com os quais contavam para se estabelecer no novo país, morreram logo ao desembarcar do navio que os havia trazido de Hamburgo, vitimados pela febre amarela que grassava no Rio de Janeiro. Uma tragédia! A avó Charlotte, grávida, com a morte dos filhos em menos de um mês, entrou em depressão.

Quanto a mim, gostava de ouvir suas histórias. Minha mãe, muito dedicada e segura nas economias, dizia: “Alberto é um mão aberta e anda com a cabeça nas estrelas” ... Andava mesmo, até comprou um telescópio portátil francês. Estava sempre disposto a nos mostrar as estrelas, nomeá-las e se empolgava com os anéis de Saturno, as nuances da lua, as suas crateras e em nos ensinar com o “Tabulae Caeleste Himmels” – Atlas de Von Schurig-Götz. Valeu a pena. Mais tarde, deu-me esse livro.

Trabalhador, honesto, levava suas responsabilidades muito a sério, uma bela influência para nós crianças, que sempre aprendem mais com os exemplos que recebem, do que com as palavras. Quando leio as manchetes atuais dos jornais, penso como ele estruturaria suas ordens de valores neste momento político e social que vivemos hoje. Antes, as notícias custavam a chegar e por isso mesmo diluíam-se no tempo e no espaço, ficavam menos contundentes, menos sentidas, mais fáceis de serem digeridas.

Estudava no seu amado violino e trabalhava muito, com seriedade e competência. A convite do Dr. Hilário Veiga de Carvalho, tocou na Orquestra da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, como primeiro violino. A mesma era formada por médicos e convidados, que ajudavam a pagar o maestro com contribuições mensais. Esta Orquestra apresentou-se em vários concertos, alguns dos quais tive a grata oportunidade de assistir, na década de 1940. Desta orquestra, nunca mais ouvi falar.

Tocava em igrejas, casamentos e festas, sempre a convite, por puro diletantismo, acompanhado ao órgão ou piano por seu primo Arthur, e mais tarde por mim.

Quando envelheceu, emprestou seu querido violino para que o mesmo continuasse útil. Fê-lo na confiança. Alguns tempos depois foi alertado por amigos sobre a pessoa em quem depositara tanto apreço, que declarara em jornal que o mesmo havia sido roubado. Ele ficou desapontado e muito preocupado, pois seu nome como proprietário nem fora citado. Sempre muito honesto, não sabia lidar com essas coisas.

Todavia, mesmo de uma maneira um tanto confusa, o instrumento foi recuperado. Alguns amigos, preocupados com sua idade avançada, resolveram recuperar o instrumento e devolvê-lo ao seu legitimo dono...

Vivenciar a companhia de meu pai foi um privilégio como poucos. São valores que não se esquecem, não se apagam e nem se perdem!

*Ribeiro, Ignez: A Ponte - Scortecci Ed., São Paulo, 2016.
**Colaboradora do Jornal Maturidades

 
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