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OS NOVOS IDOSOS: A SEXUALIDADE EM PAUTA


Por Ana Fraiman, Maria Celia de Abreu e Waldir Bíscaro *



Em matéria de sexualidade dos idosos, se há uma palavra de ordem que se pode empregar sem receio de cometer enganos é depende.

Um grupo de profissionais de várias áreas da saúde e com múltiplas especializações esteve empenhado – ao longo de todo o segundo semestre de 2010 – na leitura de estudos e na busca por pesquisas sérias sobre a sexualidade de idosos, tanto do Brasil quanto de outros países.

De que jeito eles vivem sua sexualidade? Depende. Eles fazem sexo? Depende. Eles gostam de sexo? Depende. Têm encontrado companheiros e companheiras? A quem preferem e suas preferências têm qual direção? Depende. O envelhecimento afeta a capacidade de sentir prazer? Depende. Mudaram suas ideias em alguma coisa? Quais são suas dificuldades? Depende. A quem recorrem? Conversam com alguém a esse respeito? Falam sobre si mesmos ou sobre a sexualidade do outro? Depende. Os pesquisadores têm encontrado algum dado ou fenômeno que se aplique de forma generalizada? O que acontece aqui no Brasil é o mesmo que se vê lá fora? Os pesquisadores, eles próprios, sentem-se à vontade com o assunto? Depende, depende, depende!

Tudo depende!

A única verdade a que o grupo chegou é que pouco ou nada se afirma com certeza e segurança, pois se encontra de tudo e, mesmo assim... Depende! Isso não significa, porém, que não tenham formulado suas próprias ideias. Uma, a que os profissionais do IDEAC chegaram, é que “a sexualidade responde mais à cultura e ao tempo histórico da sexualidade, que ao próprio envelhecimento”.

Se envelhecer é uma experiência absolutamente complexa, estudar outra complexidade a ela tão intimamente conectada introduz dificuldades quase intransponíveis, com elementos por demais obscuros, principalmente porque ter clareza e disciplina para estudar um objeto do qual se é sujeito maximamente interessado, é tarefa quase impossível.
Assim posto, o que se pode afirmar é que é deveras interessante buscar conhecer mais e mais e, com isso, tentar vencer nossos próprios escotomas mentais, os pontos cegos com os quais vivemos sem nem mesmo deles nos apercebermos e, mais, buscar reconhecer e dissolver nossos preconceitos. Mais ainda e além, tentar reconquistar a dimensão da graça com que a sexualidade pode se apresentar. Porque se não falarmos da sexualidade humana com graça, isso se constitui numa grande desgraça.

Uma das maiores dificuldades que o grupo enfrentou se constituiu na falta de clareza ou mesmo confusão dos termos: estariam falando e buscando conhecer a sexualidade sob a ótica fisiológica? Sob a ótica dos sentimentos e das emoções? Das representações e significados socioculturais? Fenomênica? Espiritual? Estariam falando de erotismo: com dor ou sem dor? Com prazer ou sem prazer? Impossível evitar certos constrangimentos. Ninguém do grupo, mesmo que vestindo as roupagens de excelentes profissionais que são, atreveu-se a se aproximar muito das questões da sexualidade sem ser tomado por pudores, falso ou sincero e, pior, sem se abalar e excitar com o assunto e as descobertas.

Foi um grande exercício de coragem. Homens e mulheres, semanal e espontaneamente, discutindo aquilo que, por cultura e formação não se diz em voz alta e muito menos se reconhece publicamente que se gosta e faz questão. Ou não. Os achados foram surgindo. Os “ás” e “ós” foram pronunciados, também. Então lá é igual a aqui?! Lá onde? Na Espanha, na França, na Europa, por exemplo. Inclusive América do Norte. Os homens mais velhos preferem as mulheres mais novas. E as mais velhas se queixam disso, óbvio.

Óbvio? Pois há aquelas que não fazem sexo hoje, porque antes não faziam questão e nunca o fizeram bem feito. E essa é uma grande questão, que imbrica na questão da violência doméstica. E há aqueles que não fazem porque não conseguem. E mais, as barreiras religiosas e morais que tornam tudo mais difícil e complicado de vencer. E os familiares, principalmente os filhos, que atrapalham e não aceitam pai ou mãe, principalmente mãe, envolvida com outro alguém além deles. Mais grave se o relacionamento ameaçar a suposta herança.

Há, porém, uma grande diferença: a importância e o valor que se dá ao corpo jovem são grandes, tanto lá quanto aqui. Só que aqui, Brasil, a importância é maior ainda e o valor do corpo belo, nem se fala. A facilidade com que aqui se “veste o nu” é maior ainda. Na Europa, o nu é vestido nas revistas e no cinema como forma de protesto político, ideológico. Aqui, porque se paga um bom cachê. E porque a juventude tem tido primazia em quase tudo quanto é esfera de poder: nas empresas, nas famílias, nos espaços de estudo e de lazer e, com certeza, no mercado das imagens da sexualidade desejável e desejante.

Na dimensão do prazer sexual, as imagens e conversas se ocultam ainda mais. Os sujeitos escondem os sinais. E quando os revelam, são tão sutis, que os leigos – e mesmo os profissionais – pouco ou nada deles reconhecem. Em verdade, é necessário saber o que ver e onde buscar o que se deseja encontrar. E saber ver sem distorcer. Isso quer dizer que os sinais podem até não se ocultar e/ou nós todos podemos não os enxergar, menosprezar ou embaralhar.

Além do que, focalizar todas as idades a partir de uma única chancela, a da moderna e dita maturidade (ex e antiga terceira idade) se presta a agir demais para conhecer de menos. Não é possível denominar a todos de “cidadãos da terceira idade”, denotação que se presta muito mais às dimensões administrativas e políticas, que às psicológicas e existenciais.

Em primeiro lugar porque não são todos cidadãos, na acepção da palavra (porque há idosos que de fato não gozam das liberdades e direitos essenciais). Depois, porque aos 60 a vida é uma, aos 70 é outra, aos 80, 90, 100 e até quando Deus quiser, não há termo de comparação, nem denominador comum que deles dê conta.

O que mais se apresenta, portanto, é a diversidade. De conhecimentos, de costumes, de preferências, de ocorrência e interpretação de tudo aquilo que se passa ou não se passa. Se já há consenso entre os especialistas e aceitação da comunidade leiga de que a sexualidade humana não se restringe a dois sexos, é de se estranhar, minimamente falando, que a comunidade científica que estuda a sexualidade dos idosos continue abordando o assunto em termos de homem e mulher tão somente.

Caso se tratasse de uma questão de gênero, talvez a dualidade ainda fosse cabível. Porém, abordar a diversidade sexual humana em termos de dois únicos sexos é trazer resultados duvidosos e sofríveis, pois corresponderia a negar todos os matizes de uma experiência humana, que é mais bem descrita pelos literatos, poetas e romancistas. E que, também, se faz mais bem retratada pelos pintores e compositores, que pelas pesquisas tímidas dos cientistas pouco realistas e nada inovadores. Nessas dimensões artísticas não se pode, porém, dispensar a dimensão erótica da sexualidade, sem o que tudo seria antiesteticamente exatamente igual.

Como não temos uma educação para o prazer sexual pleno (para o prazer oral sobejam propagandas televisivas com imagens de comidas apetitosas e saborosíssimas), a desistência do sexo já a partir dos 50 anos de idade se faz muito presente nas sociedades ocidentais. Exceção feita aos poucos núcleos de pessoas afeitas às artes, preferencialmente ao erotismo. O silêncio que recobre a arte do prazer grita alto. Oficialmente, aos homens e mulheres de mais idade, na busca e exercício do prazer resta se conformarem ao modelo BBB de ser idoso: assíduo consumidor de Bailes, Bingos e Bolos.

Ao menos nos chás da tarde, nos bingos e nos bailes, o prazer se faz presente e, por vezes, encontram-se aqueles que buscam oportunidades de encontros com aqueles que se oferecem. Há possibilidades de circular e se exibir, ver e ser visto, tocar e abraçar, sentir, disputar, se emocionar e poder gargalhar. Sentimentos que afloram e corações que palpitam mais intensamente. Novos rostos, muito perfumes e sabores, trocas e conversas, frissons de uma vida vivaz. É a hora do sonho e dos toques ancorados na realidade, o desejo de abraçar e ser abraçado que se concretiza, sem culpa nem vergonha, cada qual escolhendo ir até onde quiser. E como puder.

Diferente da vida nas casas de família e de casamentos prolongados por tempo demais, onde a mesmice acontece hora por hora, dia atrás dia. Diferente dos consultórios onde desfilam as patologias e dos lares de longa permanência, onde a limitação severa, a doença e a morte rondam. Esta última quase sempre bem sucedida nas madrugadas e nos feriados também prolongados, quando os óbitos se anunciam em maior frequência e, rapidamente sequestra o companheiro de jornada. Onde os responsáveis ignoram – ou fazem por não saber – que pessoas melhoram de saúde e fortalecem sua vontade por meio dos toques e dos abraços trocados, dos corpos acalentados pelo calor, uns dos outros.

Na escuridão das noites solitárias, Eros se ausenta enquanto os moradores dormem induzidos, certamente sossegados para não dar trabalho. Talvez um ou outro permaneça desperto, lapidando seu caráter e conversando com seus fantasmas. Ou cortejando a vida além da vida, onde haverão de se reencontrar com seus amores. Sorrateiramente, no entanto, Eros pode se introduzir nos toques conquistados durante a higiene – matinal – que é feita ou ensejar algum prazer, insistentemente, nos quadros de incontinência. Há quem se utilize dessa estratégia para consegui-los.

Excelente resultado restou para todo o grupo: o estudo da sexualidade não se revelou mais importante ou urgente do que o estudo e aprofundamento em tantos outros temas sobre os quais o grupo tem se debruçado. Importante, sim, mas não mais do que as demais dimensões da vida. Muito mais rico e empolgante quando se tem um grupo constituído por profissionais de várias áreas e especialidades, inclusive com diferentes etnias de origem, como no IDEAC. É o que o grupo indica ser feito por aqueles que pretendem adentrar esse universo da experiência e do saber.

Mudança houve: maior facilidade e empatia em abordar a temática. Foi dado mais um importante passo para a compreensão do que se passa. Não necessariamente um passo decisivo, causador de mudanças pessoais e atitudinais. Talvez conceituais, sim, para uns e não para outros. Um consenso: para conhecer, além da vontade, é preciso liberdade para buscar saber e poder experimentar.

Se conversar a respeito não tem força suficiente para causar mudanças, ao menos se presta para abrir as mentes para as possíveis realidades e prestar reverência a Eros, essa misteriosa força de vida e de criação, que bem se expressa na esfera da sexualidade humana, sem que nela se esgote.


* Os autores são profissionais integrantes do
IDEAC – Instituto de Desenvolvimento
Educacional, Artístico e Cultural


Nota: Para a elaboração do artigo foram lidos os seguintes textos, que os autores sugerem aos interessados:

1 – SEXO Y AFETIVIDAD EN LA CULTURA DE LA ANCIANIDAD -
La sexualidad y la afectividad durante la vejez. Josep m. Fericgla: “Envejecer, una antropologia de la ancianidad”. Barcelona: Anthropos, 1992, 380 p. 297-321
2 – L’ ANZIANO E LA SESSUALITÁ (p.103-6) - Chattat, Rabih. “L’invecchiamento” – Ed. Carocci, Roma, 2004, 213p.
3 – A PRÁTICA SEXUAL E O ENVELHECIMENTO - Clicia Valim Côrtes Gradim, Ana M. Magalhães Souza e Juliana Magalhães Lobo
4 – PROBLEMATIZANDO O CORPO E A SEXUALIDADE DE MULHERES IDOSAS: O Olhar de Gênero e Geração - Maria das Graças Melo Fernandes – In: Rev. Enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009, jul-set;17 (3) 418-22 – p. 421
5 – ENVELHECIMENTO, AMOR E SEXUALIDADE: Utopia ou Realidade? -
Thiago de Almeida e Maria Luiza Lourenço – Rev. Bras. De Geriatria e Gerontologia – vol 10 n.1 Rio de Janeiro 2007
6 – SEXUALIDAD Y SENECTUD - Julián David Bohorquez Carvajal – Hacia la Promoción de la Salud, Vol. 13, enero – diciembre 2008, pags. 13 –24
7 – SEXO, TAMBIÉN A LOS 80 - Susana Regueira – Portal do Envelhecimento 17/5/2010
8 – SEXO NA TERCEIRA IDADE - Fernanda Aranda – Portal do Envelhecimento 14/6/2010

 
 
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