Marilene Vian Guilherme – a Leninha
Marilene Vian Guilherme, 68 anos, conhecida como Leninha, estuda na Universidade Aberta à Maturidade (UAM) da PUC-SP desde agosto de 2014, e chama a atenção de todos, pois faz parte das aulas mesmo sem ter o prazer de ver as imagens, os professores, os colegas de classe ou mesmo os caminhos que a levam à sala de aula.
Ela contou, entre tantas coisas, sobre a depressão que bateu à sua porta fortemente quando seu filho se casou. Ela teve de enfrentar a Síndrome do Ninho Vazio e o ingresso na UAM veio como um lenitivo para aquele momento, pois seu médico a orientou a ocupar o seu tempo. “Fui com toda coragem. Faz 10 anos que me aposentei e não gosto de ficar parada. Procurei preencher meu tempo com várias atividades, inclusive com o serviço voluntário na minha paróquia”, explicou. “Após o casamento do meu filho a minha casa ficou muito vazia, isso foi por volta de junho de 2012 e foi ai que minha depressão piorou”.
Segundo ela, na UAM ela encontrou pessoas muito boas. Sua turma era pequena, de aproximadamente 20 alunos, com os quais ela foi se entrosando rapidamente. Alguns assuntos que lhe interessam outros nem tanto, mas gosta de manter a frequência e acredita que sempre algo de bom é adquirido nos dias de aula.
Leninha nasceu com Glaucoma (congênito) em Adamantina (SP), numa família de três irmãos e aos 10 anos perdeu a visão, o que foi acontecendo de forma gradativa. “Lembro-me das cores, das plantas, do rio, das árvores e essa noção de cores me ajuda até hoje, na hora de me vestir e até mesmo na decoração da minha casa. Ou seja, deu-me a oportunidade de ter uma vida mais independente”, contou.
Mas não pense que sua mãe fez diferença entre a menina Leninha e seus irmãos. Não! Ela a criou igual aos demais, para ser independente. Inclusive, aprendeu a linguagem braille para ajudá-la a estudar. Resultado? Cursou o 1º, 2º e 3º graus em Adamantina, onde se formou em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e especializou-se pela USP em Educação Especial para o Deficiente Visual.
Em 1982 casou-se em Adamantina com Luiz Carlos. E, fruto do amor de Marilene e Luiz, ambos deficientes visuais, nasceu Luiz Henrique Guilherme, hoje médico Otorrinolaringologista pela Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, com duas residências, uma na área de Otorrino e terminando outra na área de cirurgia de cabeça e pescoço. “Cada dia que eu saia de casa para ir trabalhar era uma dificuldade. Sempre eu tinha em mente: ‘não tem problema, essa eu venço, pelo meu filho’”.
Ela realizou trabalhos importantes dentro da LARAMARA – Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual em São Paulo, ensinando muitos a ler através do método braille, principalmente, jovens, adultos, não só deficientes visuais, também as mães dos deficientes e funcionários da instituição. No local foi supervisora do Controle de Qualidade da Máquina Braille, que estava sendo montada na Laramara na época. Depois passou para a organização da audioteca e da Biblioteca do Livro em Braille entre outras funções. “Eles acharam em mim a pessoa com o perfil que eles estavam precisando na época”.
Muito católica, participou na recuperação de menores de rua e na inclusão do deficiente na sociedade através de movimentos religiosos da Igreja.
Hoje, ela aproveitou a oportunidade para comentar sobre a questão da acessibilidade dentro do prédio da PUCSP. Leninha considera-se uma pessoa independente, mas não dentro da instituição, onde só consegue se locomover com a ajuda das colegas. O que falta na PUSP e em outros lugares? Nos acessos, piso tátil, elevadores sonoros com marcação em braille, preparo dos funcionários no auxílio aos deficientes entre outras coisas. Por essas e outras, lembrou que ainda é preciso vencer a barreira do preconceito. Qualquer tipo de deficiência exige uma necessidade.
Pesquisando sobre nossa entrevistada, vimos que na Campanha da Fraternidade de 2006, cujo tema foi “O Deficiente”, sua atuação foi de grande valia na defesa da inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. Na oportunidade ela disse: “Cabe a cada um de nós, que fazemos parte da sociedade, nos livrarmos desse preconceito que existe em nossos corações, deixar de lado a discriminação, abrir nossos braços e acolher o deficiente”.
No mesmo ano, Leninha foi homenageada pela Sra. Ana Martins na Assembleia Legislativa, em comemoração ao Dia Nacional da Mulher – dia 30 de abril. “[...] Marilene nunca teve dificuldades em enfrentar as barreiras que a vida lhe coloca: como dona de casa (na administração do lar), como mãe (na criação, formação e educação de seu filho) e como esposa (na dedicação, partilha e compreensão) com seu esposo Luiz, também como profissional, pedagoga especialista em Braille. [...]”, disse Ana Martins.
Segundo Leninha, é através dos obstáculos, dificuldades vencidas, que se vai adquirindo mais conhecimento e experiência. “É difícil... Já passei por várias dificuldades nessa vida, especialmente em me relacionar com as pessoas, pois sempre existe o preconceito. Mas temos que vencer essa barreira com muita força e, principalmente, com muita fé”, orientou. “Sou uma pessoa de muita fé, por isso nunca me desanimo e não tenho medo”.
Segundo ela, muitos medos ela perdeu em 1958, quando viajou, sozinha, para os EUA, onde foi fazer um curso de inspeção de controle de qualidade na máquina braile, pela Laramara. Foram 12 horas de viagem com muita fé, força e coragem. “Se eu fui e voltei não tenho mais obstáculos”.
Hoje, aos 68 anos, ela se sente uma pessoa mais determinada e mais preparada para aceitar a sua velhice. Na UAM da PUCSP convive com pessoas com mais idade e que sentem paixão por aquele lugar, o que lhe dá forças para vencer os pontos negativos e para ter mais qualidade de vida nos anos que estão por vir.
Entrevista e fotos: Célia Gennari
Colaboração: Equipe Jornal Maturidades
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