A IMITAÇÃO DA VIDA
Por Luiz Carlos Hummel Pires* Outono de 2010
Muitas vezes, na correria do dia a dia, no campo da competição e das informações, modas e cobranças que recebemos, esquecemos quem somos e qual o nosso papel neste mundo – e partimos em busca da eterna felicidade.
E, para não perder “a onda”, embarcamos em qualquer barco para um rumo desconhecido.
Quando desembarcamos na realidade, achamos que não somos ninguém e que alguém tem que ser responsabilizado pela nossa infelicidade e procuramos encontrar supostos culpados. Isto acontece em casa, na escola, no trabalho, no trânsito...
A culpa é dos pais, do marido ou da mulher, do chefe ou dos subordinados, do professor, do governo e não sabemos mais de quem...
- Ah se eu tivesse 20 anos a menos... – Ah, se eu ganhasse na loteria...
- Agora não dá mais para estudar, já passei da idade!... – Quando eu me aposentar, aí sim, vou gozar a vida! – Ah, se eu soubesse no que ia dar esse casamento... – Eu não tenho sorte na vida!
E com isso, ficamos esperando o mundo melhorar para começarmos a viver e... Sermos felizes!
Em “Esperando Godot” – peça teatral do irlandês Samuel Beckett, Vladimir e Estragon são dois clochards (palhaços) que esperam em vão, algo ou alguém que atenda às suas necessidades e aspirações.
Os dois personagens esperam e, enquanto isso, não reagem, não atinam para a realidade à sua volta, só esperam... Esperam por certo Godot, com quem teriam marcado um encontro, num lugar e horário indefinidos. É uma espera penosa e enquanto esperam, mantêm seus diálogos para preencher o vazio, dando-se assim a impressão de que existem.
Neste momento somos espectadores de uma obra original, uma aparente representação teatral inocente que equilibra o cômico com o trágico e que demonstra a angústia do homem frente ao seu destino. Ao interagir com os personagens da peça, de uma forma cômoda, passamos a ser cúmplices de uma farsa.
Acontece que não podemos fazer desta angústia a nossa própria existência, pois ao fechar as cortinas, devemos voltar à nossa realidade, onde essa representação ficará no palco do teatro e não em nossas próprias vidas.
O espetáculo não começa somente quando condições ideais se concretizam, ele está acontecendo agora. Afinal, ser feliz é viver.
Como diria Denis Diderot em seu ensaio Paradoxo do Comediante: “Um grande cortesão, acostumado desde que respira ao papel de um fantoche maravilhoso, toma toda a espécie de formas, segundo a vontade do fio que está entre as mãos do seu senhor”.
Este senhor somos nós! Precisamos nos desembaraçar dos fios de marionetes e tomar a vida em nossas próprias mãos. Só assim o aguardado destino nos será revelado.
Como Vladimir e Estragon nós não podemos ficar esperando Godot.
Devemos sim, no palco da vida, atuar em nossos verdadeiros papéis, usando para isso um fio condutor – o nosso próprio “Eu”.
Somos o artífice de nossa própria existência! É preciso enfrentar a realidade, arrancar a máscara da face, por mais difícil, dolorida e protetora que ela seja. Temos que criar coragem e partir em busca de nós mesmos. Para isso devemos nos preparar para uma nova viagem, sem roteiro preestabelecido e sem falas decoradas, vamos empreender uma longa caminhada noite adentro... de nós mesmos.
Indecisão, renúncia e arrependimento fazem parte deste roteiro e é verdadeira a existência de uma força gerada pelo medo ao fracasso, criada pela nossa mente. Como é narrado no livro A Chave da Vida Feliz: “Pode parecer que fracassos e êxitos são determinados por fatores externos. Mas os fatores externos são criados pela nossa mente. Se persistirmos em imaginar o que se deseja e continuar a nos esforçar para consegui-lo, com certeza, irá ocorrer mudanças no mundo à nossa volta e surgirá o caminho para a concretização de nossos desejos, pois a nossa força de vontade pode ser a fé inabalável, a força motriz para a concretização de nosso ideal”.
Viemos para este planeta para aprender a nos conhecer. Não somos profissionais da existência e nem estamos preparados para o certo. Lembre-se que não vamos nos encontrar simplesmente adotando “fórmulas mágicas” dos outros. Podemos aceitar sugestões e “novos mapas”, mas só nós poderemos traçar o nosso esperado caminho.
Encarar nossas manias, mudar de paradigmas e excluir preconceitos, só nós poderemos fazê-lo, aceitando ou não sugestões e conselhos. Mas ninguém é perfeito, pois a fórmula que funciona para um, pode não funcionar para outro. Às vezes o que lhe apontam como um defeito poderá ser transformado em uma grata qualidade. Mas para isso você deverá ser o timoneiro de seu próprio barco, buscando uma luz lá daquele farol, distante no horizonte, onde tempestades, às vezes tormentas aguardam, porém só você poderá pilotar este barco, ninguém mais.
Este é o segredo: descobrir quem somos nós e o que fazer para sermos verdadeiros mestres na arte de viver neste tremendo palco que é a nossa vida. Ou então, ficar sentado em uma poltrona confortável, com fios de marionetes à nossa volta, esperando Godot e, quem sabe, quando descerem as cortinas... os aplausos de uma plateia.
* Luiz Carlos Hummel Pires é professor da UAM PUC-SP.
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