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Crônica ao Amor

 

Crônica ao Amor

Por Mariasun Montañés*

Fim de tarde. O vento frio bate no meu rosto. Deve vir do Monte Moncayo*. Meu pai teve um cachorro chamado Moncayo... As águas calmas do Rio Ebro começam a ficar agitadas sob a Ponte de Pedra, também conhecida como a Ponte dos Leões, onde me encontro.

O vento, o Moncayo, as águas, o Rio Ebro, me trazem recordações...

Meu pai atravessou várias vezes essa ponte. Foi um menino levado, contam os que o conheceram. Cresceu livre, correndo atrás das “palomitas” da Praça do Pilar. Elas sempre estiveram lá. Hoje não estão. Para onde terão ido?

Quando fiz a Primeira Comunhão, eu também corri atrás delas naquele mesmo lugar. Pareciam se divertir com a brincadeira. Pousavam diante de mim como à espera de um pequeno gesto, para que as visse voar. Nesse dia, minha mãe realizou o sonho alimentado por anos, após emigrar para o Brasil: rever os irmãos. Lembro da sua emoção. Lembro da minha emoção, ao vê-la tão feliz...

Agora caminho até a Praça do Pilar, o vento continua a bater em meu rosto. Viro à esquerda, em direção a La Seo. Entro numa rua com casas enfileiradas e flores na janela. Foi nessa rua florida que meus pais se conheceram, enquanto minha mãe se formava em enfermagem. Foi aí, diante do solar do antigo foro romano e das bênçãos da Nossa Senhora do Pilar, que um grande amor nasceu... Suas bênçãos são poderosas...

A padroeira da Espanha!


Sigo em direção à Basílica. Impossível não admirar a beleza e a imponência de suas torres em estilo gótico. Entro pela porta de madeira talhada. A caminho da capela passo diante das bombas que foram atiradas no seu interior na época da Guerra Civil Espanhola, em 1936. Inexplicavelmente não explodiram. Como é possível? Duas bombas e nenhuma explodiu! Continuam cravadas em um dos pilares da Basílica, como que a lembrar do milagre que impediu transformar o templo em ruínas, e... quiçá para que os espanhóis não se esqueçam das atrocidades da guerra.

Período difícil aquele, reflito. Contado a partir do medo, dor, morte, racionamento de comida... Irmãos lutando contra irmãos. Famílias, pais e filhos, separados pela guerra. A História que passa de geração a geração para não ser esquecida, deixando marcas profundas em um povo.

É assim que a liberdade e a vida surgem como valores preciosos pelos quais vale a pena lutar.

Foi em busca dessa liberdade que meu pai decidiu deixar para trás a pátria amada e embarcar para o Brasil, enquanto minha mãe pranteava a sua partida. Cartas e fotos, muitas cartas foram trocadas entre os dois amores, ao tempo que, com o coração apertado, se perguntavam se o amor sobreviveria à distância.

O amor... Ah, o amor!... O amor, quando é sublime e verdadeiro, sobrevive a tudo... ao tempo, à distância, à morte...

Quatro anos após a despedida, meu pai já havia se estabelecido na nova terra e a enfermeira, a segunda mulher a fazer parte da equipe de enfermagem do principal hospital de Zaragoza, estava pronta para se despedir dos irmãos, dos amigos, do trabalho, da pátria e ir ao encontro do seu amado.

Mas antes de partir, havia um sonho a realizar: casar na Basílica do Pilar com as bênçãos da família. E, como meus pais nunca foram muito adeptos ao convencional, ela realizou esse desejo. Casaram-se por procuração! No casamento realizado em Zaragoza, diante da Nossa Senhora do Pilar, meu pai - que estava no Brasil - foi representado pelo irmão de minha mãe, o tio Elias. Sonho concretizado, foi ao encontro do seu sonho maior.

Após quinze dias no mar, ela chegou ao porto de Santos, onde meu pai foi encontrá-la com um lindo buquê de rosas e rumaram para o novo lar, para a nova vida no novo país.

Num dia de primavera, eu nasci. Mais tarde, ganhei um companheiro, meu irmão.

A vida foi muito generosa comigo, me deu pais maravilhosos!

Quando caiu meu primeiro dente, algumas moedas apareceram debaixo do travesseiro. Não havia joelho ralado que não fosse curado pelo sorriso da minha mãe. Meu pai me ensinou a olhar em direção às estrelas. Ainda o ouço sussurrar: cada estrela guarda um sonho possível. Relembro, como se fosse hoje, o susto que levei quando notei os primeiros fios brancos em sua cabeça. Nossos pais também envelhecem... e se vão...

O primeiro a partir foi meu pai. E, nesse dia, minha mãe começou a nos deixar também...

O sonho que eles acalentaram nos últimos dias de vida era o de voltar a rever a família e a terra que haviam deixado. Diante disso, decidi cremá-los.

Todos os sonhos eles haviam realizado em vida, só faltava esse...

Embarquei com as cinzas para a Espanha. Entrei em contato com as duas famílias para o último adeus. Foi assim que eles retornaram à sua terra, ao local em que se conheceram, para se despedirem de todos...

Numa manhã ensolarada, encontrei com meus tios e primos na Ponte dos Leões, atrás da Basílica do Pilar, próximo a La Seo. Joguei suas cinzas do lugar mais alto da Ponte de Pedra, onde pude ver como elas eram levadas pelas águas do Rio Ebro em direção ao mar, na companhia do vento do Moncayo...

*O Monte Moncayo ou San Miguel é o ponto mais alto do Sistema Ibérico. Situa-se entre a província de Saragoça, Aragão e a província de Soria, Castela e Leão. Com 2314,30 m de altitude é um dos picos mais relevantes da Península Ibérica. (Wikipédia)

Crédito das fotos: Arquivo Pessoal de Mariasun Montañés*

 

 
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