BRASIL: MEDICINA TRADICIONAL E A REGULAMENTAÇÃO
Por David Hruodbeorht*
As DNTs são o maior problema na saúde brasileira (INCA), responsáveis por mais de 70% das mortes e consomem 1% do PIB todo ano (OPAS); o custo do tratamento destas doenças equivale a quase metade dos custos de admissões hospitalares. Em 2025 o Brasil será o sexto país do mundo em número de idosos e, em menos de quinze anos, a cidade de São Paulo terá mais idosos do que jovens, de acordo com o SEADE. Como se sabe, com o envelhecimento aumenta a incidência das DNTs.
A nossa situação é muito preocupante: 57,4 milhões têm pelo menos uma doença crônica, e mais de um terço das pessoas com mais de 50 anos tem alguma incapacidade funcional. Atualmente, mais da metade dos brasileiros com mais de 55 anos tem hipertensão e a previsão é que seremos campeões mundiais em mortalidade por doenças cardiovasculares em 2040 (OMS).
O Brasil é o campeão em transtornos de ansiedade e já foi campeão mundial de depressão; quase metade da população (44%) sofre de problemas respiratórios como asma e bronquite crônica (a asma representa a 3ª maior causa de internações no SUS), e a OMS e o INCA previram que em 2020 o câncer se tornará a principal causa de morte. Estamos no quarto lugar do ranking de diabetes, com aumento de 40% entre 2006 e 2012, doença que prejudica a vida de quase um quarto da população idosa. Sem contar osteoporose, parkinson, alzheimer e etc.
Como desarmar esta bomba relógio e atingir a meta da SDG Agenda 2030 das Nações Unidas (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) de reduzir em UM TERÇO ATÉ 2030 a mortalidade prematura por DNTs? A resposta vem da própria OMS, que nos fornece uma série preciosa de informações como as que seguem.
PREVENÇÃO – Segundo a Dra. Margareth Chan, ex-diretora-geral da OMS, na saúde pública é melhor prevenir do que curar. A Medicina Tradicional Chinesa, pioneira em intervenções como dieta, exercícios (Chi Kung, Tai Chi), consciência das influências ambientais sobre a saúde e o uso de remédios à base de plantas faz parte de uma abordagem holística para a saúde, semelhante à da Medicina Ayurveda.
Historicamente, a Medicina Tradicional tem sido utilizada como forma de manutenção da saúde, prevenção e tratamento de doenças, particularmente doenças crônicas; ela é utilizada em algumas comunidades há milhares de anos e é definida como “a somatória dos conhecimentos, habilidades e práticas baseados em teorias, crenças e experiências de diferentes culturas nativas, explicáveis ou não, usadas na manutenção da saúde, bem como na prevenção, diagnóstico, melhoria ou tratamento de doenças físicas e mentais”.
Em todo mundo, a Medicina Tradicional é o “pilar principal da prestação de serviços de saúde, ou o seu complemento”; ela é uma parte importante e com frequência subestimada dos cuidados de saúde. Como os clientes de saúde em todo o mundo continuam incluindo cada vez mais as MTs entre suas escolhas de saúde, isto está obrigando os países a dar apoio para que eles possam tomar decisões com conhecimento de causa.
Segundo o WHO Guidelines on Developing Consumer Information on Proper Use of Traditional, Complementary and Alternative Medicine os profissionais tradicionais são um recurso valioso e sustentável que já existe na maioria das comunidades e a formação e utilização desses profissionais em cuidados primários, trabalhando em estreita colaboração com as equipes de saúde convencionais, podem contribuir substancialmente para a obtenção de sistemas de saúde mais práticos, eficazes e culturalmente aceitáveis para as comunidades.
Mesmo nos países desenvolvidos há um grande aumento do uso de MT&MC, apesar de todos os méritos da medicina especializada de alta tecnologia. Não se tem dados sobre a situação dos profissionais MTs no Brasil.
O Comitê Internacional de Bioética da UNESCO incluiu a Medicina Tradicional em seu Programa de Trabalho 2010-2011. Nas Diretrizes da UNESCO para MT consta que a integração das duas Medicinas, Moderna e Tradicional, se dará através da regulamentação desta última, fato essencial para que a MT se torne parte do sistema de saúde, um objetivo nacional e internacional. De acordo com a UNESCO, a não-discriminação contra a Medicina Tradicional implica em reconhecê-la e respeitar os direitos dos profissionais tradicionais.
Entre os BRICs, a Índia reconhece seis sistemas de medicina, entre elas Ayurveda, Yoga, Unani e Siddha; na China, os seguros cobrem totalmente as medicinas tradicionais, incluindo a Tibetana, Mongol, Uygur e Dai, e os pacientes podem escolher livremente entre os serviços de medicina tradicionais ou modernos.
RESOLUÇÕES DE ASSEMBLEIAS MUNDIAIS DE SAÚDE SOBRE MEDICINA TRADICIONAL
A Assembleia Mundial de Saúde, o órgão de decisão da OMS que determina a política da organização, já aprovou uma dúzia de Resoluções sobre Medicina Tradicional, entre elas a Resolução WHA29.72 (1976), que incentivou o desenvolvimento de equipes de saúde treinadas para atender as necessidades de saúde das populações nos cuidados primários, onde poderia estar incluído o poder de reserva de recursos humanos constituído por aqueles que praticam a Medicina Tradicional. Já a Resolução WHA56.31 instou os Estados-Membros a reconhecer o papel de certos profissionais tradicionais como um dos importantes recursos em cuidados primários; promover a formação e a reciclagem de profissionais MT, se necessário; e promover a educação da Medicina Tradicional em escolas médicas.
Resolução WHA62.13: os países devem respeitar, preservar e comunicar amplamente os conhecimentos, tratamentos e práticas da Medicina Tradicional com provas de segurança, eficácia e qualidade e criar sistemas para a qualificação, acreditação ou licenciamento dos profissionais da MT.
No Brasil, a Portaria 971 (2006) que criou uma política de práticas integrativas e complementares, a PNPIC, foi uma reação tardia e tímida à “Estratégia da OMS de Medicina Tradicional 2002-2005”, aprovada pela Resolução WHA56.31, que tinha TRÊS OUTROS OBJETIVOS além da criação da política: SEGURANÇA, QUALIDADE E EFICÁCIA; USO RACIONAL (informações confiáveis para consumidores para o adequado uso de terapias MT/MCA, aumento da capacidade dos consumidores de tomar decisões informadas sobre o uso de produtos e terapias MT/MCA e cursos de formação básica em cuidados primários para profissionais MT; e ACESSO, onde estava previsto o reconhecimento do papel dos praticantes de MT/MCA em cuidados de saúde, entre muitos outros itens.
NOVA ESTRATÉGIA DA OMS DE MEDICINA TRADICIONAL
Há uma nova Estratégia MT da OMS lançada em resposta à Resolução WHA62.13 e concebida para ajudar os países a ter uma visão mais ampla na promoção de saúde, autonomia dos pacientes e proteção dos consumidores que “beneficiará as pessoas que buscam um atendimento adequado fornecido por um profissional adequado em um momento apropriado”.
Uma das metas desta nova Estratégia é promover o uso adequado da MT&MC, fortalecendo a garantia de qualidade, segurança e eficácia através de pesquisa, integração e regulamentação de produtos, práticas e profissionais de MT&MC. E os Estados-membros, entre outras coisas, terão de estabelecer até 2023 disposições para a educação, qualificação e acreditação ou licenciamento de profissionais e práticas MT&MC com base nas necessidades e avaliações de risco, iniciar o desenvolvimento de parâmetros de referência, normas e regulamentos para educação, treinamento, credenciamento e reembolso para diferentes formas MT&MC; e criar canais formais de comunicação para facilitar a educação em MT&MC.
Enquanto um Ministro da Saúde pediu a criação de DUAS CPMFs e o Brasil importou mais de 7000 médicos para combater a gigantesca crise sanitária, um exército sem reconhecimento oficial composto por profissionais das Medicinas Tradicionais Indígena, Africana, Chinesa, Ayurveda, mateiros e raizeiros, e outros profissionais das Medicinas Complementar / Alternativa continua aguardando o cumprimento de acordos internacionais como a implementação das Resoluções da OMS sobre Medicina Tradicional e da nova Estratégia da OMS de Medicina Tradicional, almejando uma verdadeira expansão dos horizontes de cuidados de saúde e integração MT através de tratamentos interdisciplinares, em cooperação com os pacientes.
Isto será decisivo para ajudar a superar a gravíssima situação atual e enfrentar os enormes desafios que se avizinham.
Como alertou a OMS, “o aumento previsto da carga global devido a doenças crônicas é a razão mais urgente para o desenvolvimento e fortalecimento da colaboração entre a medicina moderna e setores da MT&MC”; a Dra. Margareth Chan, por sua vez, revelou que para as DNTs e muitas outras condições, a Medicina Tradicional tem muito a oferecer: “o tempo nunca foi melhor e as razões nunca foram maiores para dar o lugar apropriado à Medicina Tradicional”, mas ressaltou que a integração entre as duas formas de medicina em cuidados primários não irá acontecer por si só; “decisões políticas deliberadas terão de ser tomadas”.
*Professor de Tai Chi e Doutor em Acupuntura pela WFAS, World Federation of Acupuncture-Moxibustion Societies.
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