Velhice não é doença!
Por Áurea Eleotério Soares Barroso*
Pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das pessoas pode esperar viver até os 60 anos ou mais. No mundo, a cada segundo, duas pessoas celebram o seu sexagésimo aniversário. Uma em cada nove pessoas tem 60 anos de idade ou mais, e estima-se um crescimento para uma em cada cinco, por volta de 2050 (UNFPA, 2012).
Simultaneamente ao acelerado envelhecimento populacional, temos experimentado mudanças no perfil epidemiológico. As doenças infectocontagiosas, que representavam cerca de metade das mortes registradas no nosso país em meados do século XX, hoje são responsáveis por menos de 10%. A multimorbidade, ou seja, a coexistência de duas ou mais doenças crônicas, embora possa acontecer em qualquer faixa etária, é mais comum entre idosos (PEREIRA e ROSA, 2018).
Entretanto, as referidas autoras salientam que
...embora a grande maioria dos idosos seja portadora de pelo menos uma doença crônica, nem todos ficam limitados e muitos levam uma vida perfeitamente normal, com suas enfermidades controladas e expressa satisfação na vida. [...] Assim, o conceito de saúde do idoso não se deve confundir com a presença de doenças ou idade avançada com ausência de saúde, que deve ser definida como uma medida da capacidade individual de realização de aspirações e da satisfação das necessidades, independentemente da idade ou da presença de doenças. (p. 26)
As reflexões de Pereira e Rosa são fundantes no momento atual, quando o debate “velhice não é doença” alcança a agenda nacional e internacional. Essa discussão começou com a revelação do atestado de óbito do marido da rainha Elizabeth II, príncipe Philip - duque Edimburgo, divulgado pelo jornal Daily Telegraph informando que ele faleceu de “velhice”.
O documento conhecido por CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) é utilizado mundialmente para classificar doenças, sintomas, queixas por médicos e outros profissionais de saúde. Está sendo elaborada uma nova edição na qual entrará o código MG2A, que se refere à velhice como doença, a partir de janeiro de 2022. Mas, o MG2A poderá omitir problemas de saúde que acometem a população, interferindo na coleta de dados epidemiológicos e na proposição de políticas públicas.
O fato é que a idade cronológica isoladamente não consegue compreender as mudanças que acontecem no envelhecer. A diversidade das capacidades e necessidades de saúde das pessoas idosas não são aleatórias, e sim advindas de eventos que ocorrem ao longo da vida, das condições de existências das pessoas.
E concordamos quando Paulo Freire reflete sobre a potência da vida presente em toda existência humana:
Hoje, aos 73 anos, continuo me sentindo moço, recusando, não por vaidade ou para não revelar a idade, os privilégios que a chamada terceira idade usufrui em aeroportos por exemplo.
Os critérios de avaliação da idade, da juventude ou da velhice, não podem ser puramente os do calendário (...) O melhor tempo, na verdade, para o jovem de 22 ou de 70 anos é o tempo que se vive. É vivendo o tempo como melhor possa viver que o vivo bem. (Freire, 2012, p.68).
Enfim, que as reflexões de Paulo Freire sobre o envelhecer possam nos inspirar a buscar caminhos para efetivação de direitos de cidadania, reconhecimento social da enorme contribuição das pessoas idosas nas suas famílias, na sociedade e na direção da construção de uma sociedade solidária e fraterna entre todas as idades.
PEREIRA, A.M.V.B. e ROSA, A.C.D.S.
Linha guia da saúde do idoso
Secretaria de Estado da Saúde do Paraná
Superintendência de Atenção à Saúde. Curitiba: SESA, 2018
UNFPA – FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (2012)
https://www.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/Portuguese-Exec-Summary_0.pdf
Acesso em 06 jan de 2018
FREIRE, Paulo
À sombra desta mangueira
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012
(*) Pedagoga, Especialista em Gerontologia, Mestre em Gerontologia, Doutora em Serviço Social e Pós-doutora em Ensino. E-mail: barrosoaurea@gmail.com