Sarina Roemer e a importância da comunidade
Por Célia Gennari
Gente Notável somos todos nós... Especiais são todos os seres humanos que percorrem o mundo em busca de uma vida melhor e saudável... Encontramos pessoas o tempo todo, mas nem sempre paramos para conversar, ouvir, conhecer e entender a essência da vida de cada um, o que realmente importa.
Toda segunda e quarta, com um andar calmo, pelos corredores da PUC-SP, acompanhada de sua cuidadora e de sua “bengala”, é possível encontrar a aluna da Universidade Aberta à Maturidade (UAM), Sarina Minerbo Roemer. Soubemos que ela gosta de contar seus momentos vividos e que é inspirador ouvi-la. Fomos conferir!
No auge dos seus 81 anos, a memória dá trabalho, já não se lembra de todos os nomes, de todas as tarefas, de todos os momentos, mas lembra de muitos que aqui foram registrados.
Nossa entrevistada nasceu em 22 de fevereiro de 1938, na cidade de Alexandria, no Egito.
“Alexandria,... uma cidade praiana, onde tínhamos uma vida agradável”, lembrou.
Mas para ganhar melhor a vida, o pai decidiu ir para o Cairo, juntamente com a família. Nessa época, a menina Marcelle* (Sarina) estava com 10 ou 12 anos. Mas, mesmo com essa mudança, ela continuou seus estudos no Liceu Francês e a sua vida comunitária era entre judeus de fala francesa.
Morava quase em frente ao Liceu Francês e podia ir sozinha para a escola, andando pela calçada, o que era uma vantagem e tornava tudo mais agradável. Com um grupo de amigos com os mesmos gostos, se viam todos os dias e também aos finais de semana.
“Consegui o meu diploma com a valorização “très bien”, ou seja, ótimos resultados”.
Quando terminou os estudos do Liceu, não experimentou entrar em nenhuma faculdade. Frequentava um clube cheio de jovens judeus, onde conheceu o seu futuro marido - Norbert Roemer. Em seis meses ficaram noivos e casaram, ela com 18 e ele 15 anos mais velho. Já era engenheiro formado e trabalhava na profissão. Já era um homem autossustentável que podia casar. Foi amor à primeira vista.
“Naquele tempo, quando a gente namorava, acabava casando rapidamente”.
A perseguição aos judeus fez com que seu marido perdesse o emprego e, por isso, tiveram de sair do Egito, com apenas um ano de casados. Na época, o Brasil era o país que tinha boa reputação na recepção de imigrantes.
As pessoas sabiam que era relativamente fácil encontrar emprego no Brasil e que tinha uma comunidade ativa, judaica, que podia ajudar nos primeiros tempos. E foi o que aconteceu.
Do Egito para o Rio de Janeiro...
No começo dos anos 50, o casal chegou ao Brasil. Depois vieram os seus pais, irmãos e vários outros parentes.
*Sarina, que na infância era chamada de Marcelle, nome de origem francesa que a mãe gostava, voltou a ser Sarina quando chegou ao Brasil.
Desembarcaram no Rio de Janeiro, onde encontraram pessoas originárias também do Egito, que estavam aqui há algum tempo e que puderam ajudá-los a se estabelecer.
Moraram próximos à praia do Leme, porque era mais barato e, também, as pessoas conhecidas moravam em Copacabana.
“Foi muito gostoso morar numa região praiana novamente. Encontramos pessoas que nos ajudaram a acostumar com a cidade, com a sociedade, enfim, como qualquer imigrante. A comunidade ajudava a encontrar emprego, a se instalar e a ficar perto de centros comunitários, evitando o isolamento”.
Aqueles que precisavam terminar os estudos entravam na escola francesa – no Liceu Francês.
A existência de uma comunidade judaica no Rio de Janeiro – para os judeus refugiados – foi fundamental na vida deles no Brasil. Seu marido era engenheiro e não precisava saber muito o português para trabalhar, pois o importante era saber desenhar e imaginar projetos. Com a formação de origem francesa, Norbert foi muito apreciado pelos comunitários que trabalhavam na engenharia de construção. Não foi difícil encontrar uma colocação.
“A profissão ajuda muito e fez muita diferença na nossa vida. E, o fato de estarmos ligados à comunidade judaica, a nossa adaptação, tanto socialmente quanto financeiramente / profissionalmente, foi bem mais fácil”.
Do Rio de Janeiro para São Paulo...
Após 10 anos de convivência no Rio de Janeiro se mudaram para São Paulo, onde outras oportunidades de trabalho surgiram para Norbert. Os negócios eram melhores em São Paulo do que no Rio.
Os filhos vieram pouco a pouco, com bastante diferença entre um e outro. Foram três filhos brasileiros: André, o primogênito e Liliana, que mora em Israel. O terceiro filho,... não sabemos ao certo...
Com a prática, mímica e um curso, foram aprendendo a se comunicar no Brasil. Mas com os filhos o diálogo era em francês. E, portanto, eles cresceram, no seio familiar, falando francês e português.
Em São Paulo, Norbert, utilizando tudo o que ele aprendeu sobre a engenharia e a construção, de funcionário, acabou se tornando o dono da firma, empregando e ajudando muitas pessoas.
“Facilmente nos habituamos ao modo de pensar e viver Paulista e tão logo pudemos contribuir com o nosso trabalho e, também, com alguma participação financeira no grupo, assim o fizemos. Nos tornamos um elemento comunitário participativo”.
Sarina não trabalhou, queria criar os filhos, mas sempre foi ligada a trabalhos comunitários voluntários.
Dentro da comunidade judaica, começou a entrevistar e anotar as lembranças de novos participantes. Ela escreveu e guardou tudo bem organizado dentro do material da comunidade judaica de São Paulo.
“Ouvimos muitas pessoas, muitas histórias... Difíceis de ouvir e registrar, sem se emocionar. Foi muito eletrizante, porque sabia que era uma coisa importante, guardar as lembranças, as experiências de vida”.
As escritas mencionadas se encontram no arquivo histórico judaico.
Ela conta que, quando a comunidade começou a se organizar e a ter outros colaboradores, sentiu que tinha feito o seu papel e que podia descansar, saiu das escritas, mas continua fazendo parte do grupo de origem judaica do Egito.
Atualmente...
Aos 81 anos, a avó Sarina continua ligada à comunidade judaica, em uma sinagoga em particular. Continua exercendo o judaísmo, nos maiores detalhes possíveis, e sempre lembra o quão é importante se sentir pertencendo a um grupo e não se sentir isolada.
“Essa coisa de pertencer a uma comunidade, que seja religiosa ou não, é importante, porque dá caminhos para se ambientar em qualquer lugar do mundo”.
Semanalmente ela vai ao cabeleireiro, faz aula de hebraico, exercícios físicos, frequenta o Clube Hebraica, a sinagoga, participa do jantar de família em sua casa e, também, em restaurantes, gosta de ler, trabalhos manuais (bordar, tricô), e esticar as pernas para cima para manter a boa circulação. E, assiste, um pouco de noticiário...
Na UAM da PUC-SP...
Sarina procurou atividades e escolheu aquela com a qual mais se identificou. Faz aproximadamente um ano que frequenta a Universidade Aberta à Maturidade da PUC-SP.
“Gosto de estar na UAM, porque encontro gente com os mesmos interesses e cada um contribui com sua personalidade e isso enriquece. Todas as aulas são interessantes. As colegas da sala são muito simpáticas”.
E ela vai a todos os almoços organizados pelo grupo da sala.
Mensagem de vida.
Diante do aprendizado dessa caminhada, com convicção, Sarina manda a seguinte mensagem:
“Temos de estar sempre preparados para construir e reconstruir a vida”.
Ela guarda uma lembrança forte de quando chegou no Rio e em São Paulo e foi recebida pela comunidade que ajudava os imigrantes.
“Foi um sinal: ajudar uns aos outros é um grande princípio. Desde que tenhamos afinidades culturais, é muito importante estar ligado a um grupo e estar sempre pronto a ajudar uns aos outros”.
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